sexta-feira, 31 de maio de 2019

Praça de Itália, de Antonio Tabucchi

"Praça de Itália" de Antonio Tabucchi
Publicações Dom Quixote, 2017
165 Páginas


Este é o segundo livro que leio de Antonio Tabucchi e tanto quanto sei foi o primeiro que escreveu e é soberbo do ponto de vista da criação e até da forma como as palavras são articuladas... 

Dei comigo a ler a reler várias vezes a mesma passagem exactamente pela beleza da escrita, pela harmonia das palavras e pela mistura entre humor e melancolia que emana das personagens que nos são dadas a conhecer. 

Efectivamente, é uma anti-história de Itália da parte dos vencidos, focadada em Garibaldi (aqui Garibaldo) e na sua família, constituindo-se como uma oportunidade para conhecer - ainda que de forma literária e ficcionada (por isso, atenção!) - o modo como a unificação italiana se verificou e a própria cultura italiana.  

Gostei muito e fiquei com vontade de voltar a ler Tabucchi!

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Das Fräulein von Scuderi, de E.T.A. Hoffmann

"Das Fräulein von Scuderi" de E.T.A. Hoffmann
Reclam, 2017
80 páginas


Disponível também em língua inglesa, " Das Fräulein von Scuderi" de E.T.A. Hoffmann foi o primeiro policial alemão e, tanto quanto sei, o primeiro europeu. Muitas das personagens aqui apresentadas existiram na realidade, tendo sofrido da realidade para a ficção algumas adaptações que não serão objecto da minha opinião sob pena de apresentar "spoilers"... Mas uma delas é a senhora Scuderi, uma figura extremamente interessante (uma das coisas mais curiosas é que nunca se casou por considerar que tal colocava em causa a independência/liberdade da mulher) e culta do século XVII-XVIII. 

O escritor, E.T.A. Hoffmann era jurista de profissão, sendo também compositor, pintor, cenógrafo, ... E a verdade é que parece usar a sua experiência como jurista na elaboração desta história passada em Paris do século XVII, quando as noites eram escuras e a iluminação eléctrica ainda não existia potenciando roubos e mortes em grande número. É este o "palco" da história de "Das Fräulein von Scuderi". 

A narrativa é dinâmica, sem grandes pausas (nem sequer há capítulos), e a dada altura dei comigo a querer ler tudo sem parar para perceber quem é que era o assassino e se aquele que era declarado como culpado o era ou não. 

Gosto de policiais (filmes), mas livros policiais não são, até à data, o meu forte... Portanto, apesar de ter gostado do que li, continuo a preferir outros géneros literários. 

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Mel, de Ian McEwan


"Mel"de Ian McEwan
Gradiva, 2012
386 Páginas

"Mel" é o terceiro livro que leio de Ian Mc Ewan e até à data "Expiação" continua a ser o meu preferido. Quer isso dizer que não gostei de "Mel"? Não, nem pensar. Passo a explicar:

Gostei de "Mel", mas senti-me como que meio perdida e um tanto ao quanto desanimada até metade do livro... A história ganhou para mim efectivamente um novo fôlego quando a personagem principal, Serena, é colocada numa missão do MI5. A partir daí, sim, temos verdadeiramente história e Mc Ewan conseguiu prender-me à narrativa e ao modo como Serena lida emocionalmente com a missão na qual, em certa medida, se joga o seu futuro... 

O dilema em que Serena se encontra: de contar ou não a verdade acerca do seu envolvimento na missão ao homem que ama (e não vou entrar em mais pormenores) é, de facto, um dos pontos altos de "Mel". Durante muito tempo, não era possível aos espiões revelarem essa sua identidade (chamemos-lhe assim) à pessoa com quem viviam intimamente e penso que não é dificil imaginar o quão complicado isso era para as pessoas individualmente, para as relações, mas também para o próprio sucesso das missões... Porque por muito profissional que se seja nem sempre é fácil separar a vida profissional da vida pessoal, sobretudo quando esta primeira tem tão grandes implicações nesta segunda... Ausências, falta de tempo, eventualmente de contacto... 

Mc Ewan escreve muito bem. Tem passagens extremamente articuladas, escritas de forma inteligente e pensadas para não deixar o leitor indiferente... Emocionalmente falando. Ao mesmo tempo, a forma como Serena nos fala é uma espécie de exercicio de partilha de intimidade, ou melhor ainda, de intimidade desvendada... de algo secreto (literário q.b.), passado nos anos 70, aquando da crise petrolífera e ainda no decorrer da Guerra Fria.

No fim tudo se encaixa e a história termina de forma perfeita. O desfecho é surpreendente, sim, mas totalmente à altura da história que acabámos de ler... Brilhante!

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Rumo à Liberdade, de Slavomir Rawicz



"Rumo à Liberdade" de Slavomir Rawicz
Editorial Presença, 2012
283 Páginas

Que grande história! Que grande aventura! Que grande coragem!

Gostei muito deste "Rumo à Liberdade" e, uma vez iniciada a fuga, dei comigo a "vivê-la" intensamente e a torcer para que a mesma terminasse bem. 

Há quem duvide da veracidade desta história, mas a verdade é que só quem a escreveu é que sabe efectivamente se algo se passou de facto, o que se passou e como se passou. Algum fundo de verdade haverá sempre. Por outro lado, em ficção (e esteve livro não se encontra catalogado como tal), muito do que se conta e inventa tem como base algo que se conhece ou que se viveu directa ou indirectamente na realidade. 

O homem só sabe verdadeiramente aquilo de que é capaz quando posto à prova e quando sabe que desistir, ao invés de persistir e lutar, significa colocar em causa a sua sobrevivência e... pode significar morrer. É perante o desconhecido da vida que brota, no meu entender, a verdadeira coragem. Neste caso, arriscar uma fuga para a liberdade poderia também ser sinónimo de uma ameaça à sobrevivência não só fruto da potencial ameaça humana (ser outra vez "apanhado" pelos russos), como também da ameaça natural decorrente de condições geográficas especialmente exigentes neste espaço da Terra (da Sibéria à Mongólia terminando nos Himalaias). E, assim sendo, entre poder morrer preso e poder morrer em fuga pela liberdade, Rawicz optou pela última possibilidade e tentou a sua sorte...

Gosto de livros que me inquietam e que me deixam a pensar... Este foi um deles. Desde há uma semana (quando terminei de o ler) que ando a interrogar-me até que ponto a ideia de liberdade não poderá ser em si mesma uma prisão? Até que ponto não se é mais livre preso do que nessa busca, por vezes sedenta e faminta, pela liberdade? Essa perseguição pela liberdade é um esforço de sobrevivência (a vida em "prisão" acaba também por sê-lo, mas sob outras condições)... E a sobrevivência, quando em condições adversas (humanas e geográficas), pode chegar mesmo a ser uma pesada prisão de risco mortal (?!). Tudo se pode perder ali... Numa má escolha, na falta de sorte... Ao mesmo tempo, não será a liberdade uma espécie de ave em relação à qual corremos, corremos e corremos atrás sem nunca a conseguir "agarrar", conquistar? Não será o desejo de liberdade uma insatisfação permanente?! 

Volto ao principio: Que grande história! Que grande aventura! Que grande coragem! E acrescento: que grande livro!

terça-feira, 14 de maio de 2019

O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa

"O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa
Abril/Controljornal & Biblioteca Visão, 2000
224 Páginas


Normalmente não gosto da ideia, porque acho que as coisas não podem ser nem pretas nem brancas (também há o cinzento nas suas diferentes variações), mas a verdade é que se me pedissem para escolher uma palavra que traduzisse a minha experiência com a leitura de "O Leopardo" escolheria, sem qualquer dúvida, a palavra "elegância".  Mesmo quando há algum atrevimento e malícia em certos episódios, há elegância e distinção na forma como Lampedusa escreve. De tal forma, que dei comigo a reler mais do que uma vez esses mesmos episódios antes de prosseguir a leitura, demorando-me um pouco mais, e/ou a voltar para trás, nos momentos de "pausa", para tornar a ler aqueles mesmos episódios uma e outra vez.

Para além deste livro versar sobre o período do Risorgimento e da consequente unificação italiana (tardia, tal como a alemã) e, neste sentido, deixar a descoberto muitas das contradições e das mudanças operadas então na ordem social do país (e as típicas rivalidades existentes entre o Norte e o Sul)- o que enriquece em muito a obra, no meu entender -, este livro tem passagens belíssimas, das quais destaco, por exemplo, a descrição da "perseguição" amorosa entre Tancredi e Angelica. A personagem de Don Fabrizio em especial também permite passagens de bastante interesse, nomeadamente no que à mudança e à passagem do tempo diz respeito. 

Gostei muito. E não percebo como é que foi necessário passarem 16 anos, desde que me ofereceram este livro (com muito conhecimento de causa e visão de longo alcance, devo dizer), para pegar nele e conhecer esta maravilha, vencedora do Prémio Strega em 1959 (atribuido aos melhores trabalhos de ficção escritos em língua italiana, desde 1947)... No entanto, ainda bem que acabo de corrigir essa "minha falha" e talvez o momento certo tenha chegado apenas agora e não noutro tempo qualquer do passado (ou melhor, destes 16 anos)!

segunda-feira, 6 de maio de 2019

As Afinidades Electivas, de Johann Wolfgang Goethe


"As Afinidades Electivas" de Johann Wolfgang Goethe
Bertrand Editora, 2017
310 Páginas

Goethe escreveu esta história, pensando-a ao pormenor. Não há nada que aqui falhe. "As Afinidades Electivas" são efectivamente uma obra plena de Romantismo enquanto tendência literária do início ao fim. Com uma forte carga dramática, bem patente na forma como termina e que me fez recordar "Romeu e Julieta" de Shakespeare. Penso, de igual modo, que reflecte bem Goethe enquanto escritor. 

Gostei muito do livro, mas não do final (ainda que compreenda o seu enquadramento e se justifique pelas razões acima expostas). Sinto alguma afinidade com o Romantismo enquanto tendência literária, algo que não consigo muito bem explicar. Ou talvez consiga explicar, em parte, por causa do turbilhão de emoções que lhe está habitualmente associado, aquele sentir desmedido que extravasa o razoável com frequência, a saudade, o desejo, a impossibilidade e a vontade de se evadir/partir pelo mundo fora, o amor à arte e à natureza. 

Tudo isso está presente em "Afinidades Electivas". Uma história de adultério espiritual escrita com todo o cuidado e delicadeza e muita, muita sensibilidade e inteligência.

The Remains of the Day, de Kazuo Ishiguro

"The Remains of the Day" de Kazuo Ishiguro
Faber and Faber, 2010
258 Páginas


Quando estava a ler "The Remains of the Day" (na edição portuguesa: "Os Despojos do Dia"), não consegui perceber o real e verdadeiro significado que esta história do mordomo Stevens estava a adquirir para mim... Aliás, só quando terminei o livro e pensei: e agora? E agora não há mais sr. Stevens? 

Normalmente, fico "presa" a histórias, não tanto a personagens. Há excepções, contudo. E estou até a lembrar-me de umas quantas, mas concentremo-nos neste mordomo sem mais demoras. Aquilo que me "prendeu" ao sr. Stevens não foram propriamente as suas qualidades humanas, em relação às quais tive momentos em que o que me apeteceu foi chamá-lo à atenção, mas a sua total e irrepreensível dedicação ao trabalho. E, por consequência, essa total e irrepreensível dedicação ao trabalho significou sacrificar a sua vida pessoal... na sua essência de forma incontornável e irreparável (?). Isso deixou-me cativa. Até porque não é assim tão dificil nos dias que correm cair nessa armadilha e assistir à vida a passar-nos ao lado... E será que vale a pena? Será que aquilo que perdemos compensa aquilo que ganhamos? Creio que esta é a grande mensagem que me vai ficar deste mordomo, que acaba por ser também um exemplo de como os ingleses são extremamente rigorosos com o trabalho (algo de que já me tinham falado). 

Para além da personagem gostei da escrita e do estilo de Ishiguro. Voltarei com todo o gosto a ler mais livros escritos por este autor. Valeu a pena e o meu receio inicial de sofrer interferências entre a leitura em língua inglesa deste livro e a leitura em língua alemã de outros mantida em simultâneo, que foi o que me levou a deixar este livro tantos meses parado (e a ter de recomeçar), revelou-se infundada. Consegui ler nos dois idiomas ao mesmo tempo sem qualquer problema. Desafio superado!