segunda-feira, 29 de abril de 2019

Die Entdeckung der Currywurst, de Uwe Timm



"Die Entdeckung der Currywurst" de Uwe Timm
DTV, 2018
187 Páginas


Não se deixem enganar pelo título porque, na verdade, esta novela tem pouco de "Die Entdeckung der Currywurst" [A Descoberta do Currywurst]. Se isso é mau? Não, mas Uwe Timm troca-nos as voltas apresentando-nos uma história essencialmente focada na cidade de Hamburgo durante a Segunda Guerra Mundial e na vida de Lena Brücker, a mulher a quem atribui a descoberta deste "prato", durante esse mesmo período. 

A história é interessante porque permite visitar e (re)visitar o horror do bombardeamento a esta cidade - sobre o qual li recentemente em "História Natural da Destruição" de W.G.Sebald -, e o modo silencioso e recalcado como os alemães reagiram ao mesmo, bem como aborda a fragilidade das relações humanas em tempo de Guerra. E no que respeita à fragilidade das relações humanas refiro-me à questão da traição cometida por alguém que fiel aos seus ideais nacional-socialistas denuncia os vizinhos e os "amigos" quando sente, de algum modo, que estes se encontram a "pisar o risco". Refiro-me, de igual modo, àqueles que ao serviço (caso de um militar) desses mesmos ideais decidem abandonar o barco e partir em retirada, fugindo e escondendo-se até que a poeira assente. Refiro-me ainda àquelas situações em que as mulheres comprometidas se acabavam por envolver com outros homens na ausência daquele que amavam e perante a incerteza do seu regresso com vida a casa. Até que ponto cada uma destas situações é na prática uma traição? Até que ponto em que a lealdade a si próprios e aos outros é colocada em causa? Uwe Timm leva-nos a pensar nisto e no modo como a Guerra consegue volver e revolver tudo. 

O livro não é de leitura fácil, sobretudo porque surgem palavras abreviadas próprias do alemão falado e nem sempre conhecidas por aqueles que não são nativos nesta mesma língua. Este foi o grande desafio com que me deparei ao longo das suas páginas, mas a experiência acabou por ser positiva; consegui aprender outras coisas e isso vale sempre a pena. 

Relativamente ao Currywurst, não fiquei a saber muito, muito mais daquilo que já sabia. Não há consenso quanto à identidade de quem o terá produzido pela primeira vez. Da minha parte, tenho a certeza de que a primeira vez que provei este prato de "fast-food" alemão foi em Berlim, há uns 9 anos atrás. Primeiro olhei com desconfiança, e estranheza, mas depois de provar prometi a mim mesma que voltaria outra vez à cidade e que quando o fizesse voltaria a comer aquilo. E eu não sou propriamente fã daqueles molhos... que não como habitualmente, mas comer Currywurst significa saborear um pouco da cultura alemã e "experimentar" Berlim.


O Céu é Para Quem Não Desiste de Voar, de Miguel Ribeiro

"O Céu é Para Quem Não Desiste de Voar" de Miguel Ribeiro
Manuscrito, 2018
197 Páginas


"O Céu é Para Quem Não Desiste de Voar" é um livro de histórias simples, mas ao mesmo tempo pensadas ao detalhe porque carregadas de significado e plenas de profundidade. 

Há umas semanas, li num livro de João Tordo, outro autor português que descobri recentemente, algo que não me saiu mais da cabeça e que se aplica à minha relação com este livro... Foi qualquer coisa do género: nós gostamos é de quem nos mexe na ferida. Isso, na ferida. E isso aplica-se à minha relação com os livros não técnicos... Eu gosto mesmo é daqueles livros que me inquietam. Que me provocam. Que me desafiam. Que me fazem sorrir. Que, por vezes, me fazem ficar com os olhos brilhantes porque de alguma forma me emocionam. Basicamente, gosto daquilo que me faz sentir a sério e pensar, questionar e tornar a pensar. Este livro teve esse efeito em mim. 

É dos livros mais bonitos (de uma sensibilidade única) que  li nos últimos temos e sinto que jamais esquecerei algumas das coisas que nele (re)descobri a propósito da amizade, do amor, da lealdade, da liberdade, da capacidade de nos surpreendermos ao longo da nossa vida como se nunca deixassemos totalmente de lado a criança que um dia fomos, da coragem, da esperança, ... Dificil foi, portanto, ao longo da leitura não deixar quase todas as páginas com uma marca para lá voltar mais tarde e relê-las. Penso que este pode bem ocupar o lugar, reservado apenas a alguns, de livro de cabeceira por tempo indeterminado... daqueles que lemos e tornamos a ler e continuam a justificar aí sua permanência.

Por isso mesmo, a sua leitura será, a meu ver, mais proveitosa se for feita de forma doseada ao longo do tempo. Inicialmente, admito que comecei a lê-lo em modo de "sobredosagem", isto é, lendo mais do que um capítulo de uma vez. Porém, depressa percebi que essa não seria a forma mais correcta de o ler e, além disso, emocionalmente tornar-se-ia mais desgastante. Daí que o melhor seja ler um capítulo de cada vez... 

Por fim, gostei também muito do facto do autor explorar a relação do menino com o papagaio de papel, a borboleta, o cão, a estrela, a tempestade, ... para, no momento certo, transmitir a mensagem acerca de um determinado valor essencial importante.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Soluções Espirituais, de Deepak Chopra

"Soluções Espirituais" de Deepak Chopra
Editorial Presença, 2012
201 Páginas



Gostei muito de "As Sete Leis Espirituais do Sucesso" de Chopra, mas já não consigo ter a mesma opinião de "Soluções Espirituais"... Porquê?

Ainda que eu tenha aprendido algo com o que li nestas páginas, considero que este livro não está tão bem organizado como "As Sete Leis Espirituais do Sucesso". Por vezes, dei comigo a ler linhas e linhas destinadas a explicar um ponto enunciado pelo autor e a chegar ao fim sem ter compreendido a mensagem. Outras vezes, senti que o autor andou à volta para, sem acrescentar muito mais, estar sempre a dizer o mesmo. Vezes ainda houve em que entrei em discórdia com o que li... Por exemplo, eu não acho - se calhar estou errada, não sei - que seja possível viver uma vida sem problemas. Há sempre qualquer obstáculo/desafio que tem de ser superado. Há sempre chatices. Há sempre coisas com as quais não concordamos nem tão pouco nos conformamos. O desafio está em conseguir dar a volta por cima e ver o lado positivo de cada situação. Isso, sim, é possível, com treino, e recomenda-se até para bem da nossa saúde!

Por outro lado, há neste livro um capítulo que para mim não teve qualquer interesse e, por isso mesmo, acabei por "saltar" essas páginas. Nesse capítulo, Chopra presta uma espécie de aconselhamento às pessoas que lhe escreveram cartas relatando problemas com isto e com aquilo. Ora, isto pode interessar outros leitores, acredito que sim. No meu caso, aborreceu-me, senti que era perda de tempo e não senti qualquer utilidade em ler aquelas páginas... 

Portanto, dos dois livros que li de Chopra, se tivesse de recomendar apenas um, recomendaria "As Sete Leis Espirituais do Sucesso". Gostei deste, mas "não por inteiro". 


quinta-feira, 18 de abril de 2019

Aus dem Leben eines Taugenichts, de Joseph von Eichendorff

"Aus dem Leben eines Taugenichts" de Joseph von Eichendorff
Reclam, 2018
156 Páginas


Eichendorff conta em "Aus dem Leben eines Taugenichts" a vida de um jovem (o "Taugenichts", isto é, um "zero à esquerda") que acaba expulso de casa do pai, um moleiro, por este considerar que o filho  além de fracassado, não tem quaisquer outros objectivos na vida para além de tocar violino (e cantar). E é então que se inicia o percurso de busca pela sorte/felicidade deste jovem que chegado a Viena depressa se apaixona por uma jovem, mas sem sucesso. Decide, então, tentar a sua sorte em Itália, a terra das laranjas (e ao que parece também dos limões) e depressa se torna novamente a desiludir, regressando a Viena, sempre na companhia do seu violino. No fim tudo termina bem e ainda bem porque eu gosto de finais felizes. 

Escrito em prosa poética, o livro está salpicado de poemas. Eichendorff faz descrições belissimas dos espaços, sobretudo da paisagem natural, adoptando um estilo lírico e romântico (de Romantismo enquanto movimento artístico, entenda-se) que muito me agradou, apesar de nem sempre ser fácil compreender à primeira. 

Interessante é também a tensão que aqui está presente entre os filisteus e os artistas, sendo que os primeiros têm uma atitude que despreza o que é belo, o que é arte, o que é espiritual e intelectual. E isso verifica-se desde o início da história, quando o Taugenichts é expulso pelo pai de casa... O Taugenichts fica fascinado com a beleza, gosta de flores, por exemplo, e aproveita todos os momentos (independentemente de estar feliz ou infeliz) para tocar violino e cantar poesia. É, de facto, muito bonito. E é sobretudo porque no fim, apesar de todos os azares que ele conheceu até aí chegar, ele alcança a sua sorte/felicidade, sem deixar a sua arte de lado!


terça-feira, 16 de abril de 2019

Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke


"Cartas a um Jovem Poeta" de Rainer Maria Rilke
Antígona, 2016
154 Páginas

Li "Cartas a um Jovem Poeta" de Rainer Maria Rilke rápido, é certo, mas é dificil ler mais devagar quando se está a gostar muito do que se está a ler e quando nos identificamos (!!!) com muitas das ideias que Rilke defende nas cartas que redige de resposta a Kappus. 

É profundo. É especial. É filosófico quanto ao modo como podemos viver a vida e a própria arte. E quando lemos este livro, diria que é fácil colocarmo-nos na posição de Kappus e ler os conselhos de Rilke como se fossem para nós leitores. A resposta às nossas dúvidas está em nós próprios, a solução para os nossos problemas deve ser procurada dentro de nós (e não no exterior), o artista é um criador que "tem de ser por si próprio um mundo", ... 

Rilke tece também algumas considerações interessantes acerca do amor, da doença (como libertação) e da solidão, nas quais vale a pena nos demorarmos porque resultam de um entendimento superior daquela que é (ou deveria ser ?) a existência humana. 

E fá-lo com humildade e amizade, sem qualquer espécie de arrogância ou prepotência. Pede-nos (ou melhor, pede a Kappus) que deixemos a vida acontecer, sem procurar demasiado... 

Vale a pena!

O Rapaz Selvagem, de Paolo Cognetti



"O Rapaz Selvagem" de Paolo Cognetti
Publicações Dom Quixote, 2018
159 Páginas

Citadino (de Milão, mais concretamente), mas habituado a passar uma parte das férias de Verão na montanha, o autor deste livro decidiu ir uma temporada sozinho e livre de amarras (sociais e não só) para uma cabana alpina. 

O seu grande objectivo é, um pouco na linha de Christopher McCandless, reencontrar-se consigo próprio e desafiar-se, sem, todavia, ser radical e levar a experiência ao limite. Terminado o Verão e já no inicio do Outono, Paolo Cognetti regressa ao "conforto" da sua vida, em Milão, são e salvo, trazendo consigo uma série de episódios, vivências e amizades da temporada passada no meio da natureza nos Alpes. 

"O Rapaz Selvagem" é o primeiro livro de Cognetti que leio e não será o único porque gostei bastante do estilo. Além de ter uma escrita leve (e não simplista, entenda-se) e agradável, recorre com frequência a citações e excertos de outros autores italianos e não italianos quando se refere à natureza existente na montanha, ao tema da solidão e da liberdade. 

Destaco, de igual modo, a referência que Cognetti faz a alguns aspectos da cultura e gastronomia italiana, mais característicos do Norte alpino, que fiquei a conhecer e com vontade de saber mais... 

sexta-feira, 12 de abril de 2019

O Lobo das Estepes, de Hermann Hesse


"O Lobo das Estepes" de Hermann Hesse
Publicações Dom Quixote, 2014 
266 Páginas



Ler Hermann Hesse significa quase sempre mergulhar num outro universo, quase mágico, muitas vezes fantasioso. "O Lobo das Estepes" não é excepção. Aqui temos alguém que é meio homem, meio lobo, sendo que esta sua última característica se relaciona com a necessidade de se isolar e permanecer tranquilamente em desassossegada solidão. 

Sem entrar em mais detalhes acerca da história (e reflexão) que aqui podemos encontrar, gostava de notar que aqui também entram Mozart e Goethe e um jogo de Xadrez (porque a vida também se joga com várias e diferentes peças). E o resultado são algumas horas bem passadas a ler Hesse, Prémio Nobel da Literatura em 1946. 


A escrita é fluída e clara, filosófica que baste, e a história é bonita. Deixa-nos, de alguma forma, a pensar... tanto em nós próprios, como em alguém que conhecemos... Há mais lobos por aí do que se possa imaginar e isso não é assim tão mau e assustador quanto possa parecer à primeira vista. É... desafiante e, de uma maneira ou de outra, serve para aprendermos algo e crescermos como seres humanos. 


Por fim, "O Lobo das Estepes" deve ser igualmente lido, contextualizando-a no período histórico em que foi publicado pela primeira vez. Porque os homens e as suas obras são, por inevitabilidade, produto do contexto temporal (e não só) em que se desenvolvem... Hesse publicou-o em 1927, após a Primeira Guerra Mundial (e as marcas da Guerra sentem-se em várias partes do texto), numa altura em que na cena internacional se tentava comprometer a Alemanha com o objectivo de evitar um novo conflito armado, já se tinham experimentado os horrores da Guerra (a primeira Total com consequências nefastas que acabariam por levar à Segunda Guerra Mundial) e o desencantamento... O mesmo desencantamento que, por vezes, nos leva a procurar a solidão da nossa própria companhia e o "afastamento" ainda que provisório da realidade que se encontra lá fora e que, em certa medida, nos "feriu"...




História Natural da Destruição, de W.G. Sebald


"História Natural da Destruição" de W. G. Sebald
Quetzal, 2017
139 Páginas


Antes de mais, começo por dizer que não consigo compreender o porquê do título deste livro na sua edição portuguesa ser "História Natural da Destruição"... Até porque aquilo que aqui se aborda não é necessariamente uma história acerca da destruição e já explico seguidamente a minha ideia:

A edição original em língua alemã chama-se "Luftkrieg und Literatur", ou seja, guerra aérea e literatura. Neste livro o escritor alemão W.G.Sebald, nascido em plena Segunda Guerra Mundial (1944),  aborda o modo como os alemães recalcaram e continuaram silenciosamente as suas vidas após os bombardeamentos devastadores que atingiram as cidades alemãs durante a Grande Guerra. E, assim sendo, qual o sentido do título da edição portuguesa? 

É certo que se aborda a destruição, mas a verdade é que tudo o que envolva guerra/violência envolve destruição (independentemente da forma que ela adquira) e a existência da guerra/violência é anterior à Segunda Guerra Mundial. Portanto, se esta é uma História Natural da Destruição deveria recuar mais atrás e isso não se verifica. 

Mas... Focando-me no conteúdo do livro de Sebald, devo dizer que nele li uma das descrições mais impressionantes do modo como os alemães reagiram aos ataques aéreos realizados no Verão de 1943 à cidade de Hamburgo. Também me impressionou o modo como aqueles que levaram a cabo os ditos ataques os consideravam como "fogo de artificio". E Sebald não recorre a isto para desculpar os alemães... Pelo contrário! 

Creio que este livro colmata uma importante lacuna relacionada com a quase inexistência de literatura acerca da questão da destruição, através de bombardeamentos, das cidades alemãs, que importa conhecer para se compreender a Alemanha (e os alemães) do pós Guerra.