terça-feira, 17 de maio de 2016

O Violoncelo de Sarajevo, de Steven Galloway


"O Violoncelo de Sarajevo" de Steven Galloway
Editorial Presença, 2009
172 Páginas


"O Violoncelo de Sarajevo" aborda o cerco de Sarajevo de 1992 sobre os pontos de vista de três personagens: Flecha, Kanan e Dragan, uma mulher e dois homens, sendo que o fio condutor entre estas é, para além, do modo como lidam com a guerra e a morte, a relação que têm com o violoncelista (história verídica - este chamava-se Vedran Smailovic') e a música que este toca durante vinte e dois dias (na sequência da morte de 22 pessoas), sem temer em momento algum ficar ferido e/ou morrer. Há quem o proteja, há quem apenas se sinta influenciado pelo som e pelas sensações que a sua música desperta e será levado a agir de determinada forma. 

Steven Galloway escreveu, na verdade, um livro dotado de grande sensibilidade, tendo como palco um momento delicado da história europeia recente, inserido no quadro da Guerra dos Balcãs na sequência da dissolução da Jugoslávia. 

Tratando-se de um romance, em que o autor de origem canadiana não terá vivido na pele o cerco (o que não se nota), a obra não deixa de ser fiel à mensagem que quer passar e não é dificil no decorrer da leitura sentirmo-nos como se estivessemos no local, vulneráveis, sujeitos a ser baleados a qualquer instante e a perder a vida sem perceber muito bem porquê...!

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"E é assim que tudo se passa. Os edificios são esventrados, queimados, extirpados, os eléctricos destruídos, as estradas e pontes rebentadas, e pode ver-se tudo isso, pode tocar-se e passar por isso tudo todos os dias. Mas quando as pessoas morrem os seus corpos são retirados do local, são levados para morgues e cemitérios, e, antes de serem embalsamados ou enterrados, o sítio onde foram mortas deixa de ser reconhecível como um lugar onde aconteceu alguma coisa foram do vulgar. É por isso que os homens nas colinas conseguem matar com impunidade. Se houvesse corpos nas ruas, a apodrecerem no local onde caíram, se a água destas torneiras não arrastasse para longe o sangue e a pele e os ossos, então talvez os homens nas colinas fossem obrigados a parar, talvez quisessem parar. (...)" (Galloway, 2009, p. 114)

https://www.goodreads.com/review/show/1634418642

domingo, 15 de maio de 2016

Catarina, a Grande, de Silvia Miguens


"Catarina, a Grande" de Silvia Miguens
Casa das Letras, 2013
303 Páginas

"Catarina, a Grande" é o segundo romance que leio tendo Catarina II da Rússia (1729-1796) como personagem (principal) e acredito que não será o último. É, sem qualquer espécie de dúvidas, uma figura histórica pela qual nutro grande simpatia. Por tudo. Tanto pela sua experimentada e intensa vida pessoal, como também pela sua vida política.

Catarina, a Grande, nascida Sofia Augusta Frederica, tratou-se de uma mulher ambiciosa, inteligente, mas também humana. Os afectos sempre lhe escaparam como fina areia por entre os dedos. Não foi tarefa fácil dirigir um Império com a dimensão do Império Russo sendo mulher numa época dominada pelos homens. Ainda assim, ela conseguiu-o, vivendo as suas paixões, sem se demorar demasiado nelas. Nos intervalos. Porque a Rússia precisava dela e, talvez, também ela precisava da Rússia. A Rússia (e o poder) tornou-se o seu amor maior. 

Com efeito, Silvia Miguens romanceia a vida desta czarina russa, de origem alemã, com talento e mestria, levando-nos a conhecer Catarina, uma mulher à frente do seu tempo, ávida leitora de Voltaire e responsável por conseguir grandes e importantes ganhos territoriais para o Império Russo. A narrativa é dinâmica, sem excesso de descrições e salpicada de diálogos que nos aproximam das personagens. E a leitura flui naturalmente, sem grandes demoras. Na verdade, a história saboreia-se sem pausas e, ao mesmo tempo, sem correrias. Vale por si mesma. Vale pela escrita e composição da autora e igualmente pela vida real e efectiva de Catarina, a Grande. 

Um livro brilhante!

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"Diz-se que há homens em cujas vidas pode ver-se o espírito do seu tempo. O meu tempo é o século XVIII, tal como este século é a minha vida. Claro que não é fácil ser mulher num mundo pensado por homens. Todavia, no meu caso, ser mulher não foi um problema. 
Foi-o, sim, a solidão. Embora a solidão não seja produto do espírito do tempo, ou do facto de se ser homem ou mulher. A solidão é um destino, uma marca, uma caracteristica hereditária ou qualquer coisa como uma malformação congénita. Mais adiante, o ambiente complementa o quadro e joga com o facto de se ser homem ou mulher e com a solidão". (Miguens, 2013, p.9)

https://www.goodreads.com/review/show/1634410331

sábado, 14 de maio de 2016

O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

"O Grande Gatsby" de F. Scott Fitzgerald
Editorial Presença, 2011
174 Páginas

Aquela que parecia ao início uma leitura algo confusa e caótica, depressa se tornou numa leitura extasiada, própria do período a que a história de "O Grande Gatsby" se refere, os loucos anos vinte. Ao contrário de outras obras, das quais também existem filmes, aqui aconteceu-me ver primeiro o filme, que adorei, e depois ler o livro, o que me levou a começar a leitura um tanto ao quanto receosa porque não me agrada muito a ideia de começar a ler uma história que conheço bem de trás para a frente. E porquê? Porque se perde um pouco a magia. Não há surpresa e a porta já está toda aberta para trás...

Aqui, todavia, isso não se verificou. Aliás, o facto de ter as imagens do filme ainda em mente fez-me perceber melhor a história e deu-lhe ainda mais cores, sons e sentido. Note-se igualmente que o livro termina de forma ligeiramente diferente do filme, o que se percebe pois o livro por norma tem sempre mais pormenores do que o filme e isso aqui também se verifica. Porém, tal não faz com que o filme distorça a história ou a deixe incompleta...

Relativamente ao argumento de "O Grande Gatsby", devo dizer que esta história exemplifica bem aqueles amores que julgamos serem para sempre, mas que, por razões financeiras e de estatuto, somos levados a deixar em suspenso até que consigamos atingir o necessário estatuto social e financeiro. Depois, anos mais tarde, queremos regressar ao ponto onde ficámos, porque em certa medida nos habituámos a viver no passado, e verificamos que esse passado só existe em nós e tudo aquilo que julgávamos ainda existir... Não passa de um sonho (passado). Um sonho que não o quisemos viver no presente e preferimos deixar para o futuro (incerto e que ainda não chegou), passou para o passado e ali acabou por perecer!

Gostei uma vez mais da história. Aliás, gosto desta. Serve para nos deslumbramos, mas também para pensarmos. E é daquelas que passe o tempo que passar jamais esquecerei o seu sentido. Porque tem sentido. E tem muito. Penso, na verdade, que a mensagem que Fitzgerald quer transmitir é a de que amar inocentemente só compensa se for aqui e agora, se for recíproco e se não forem necessários acessórios excessivos e aparentes dignos de utopia.

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"(...) o sonho deve-lhe ter parecido tão próximo que só dificilmente poderia escapar ao seu abraço. Não sabia que o sonho era já uma coisa do passado, atrás dele, perdido algures na vasta obscuridade para além do clarão da cidade, onde os vastos plainos da República se desenrolaram sem fim sob o céu estrelado. (...) acreditara na luz verde, no orgíaco futuro que, ano após ano, foge e recua diante de nós. Se hoje nos iludiu, pouco importa: amanhã correremos mais depressa, alongaremos mais os braços... (...)Assim vamos teimando, proas contra a corrente, incessantemente cortando as águas, a caminho do passado." (Fitzgerald, 2011, p. 174)

https://www.goodreads.com/review/show/1634439252?book_show_action=false

terça-feira, 10 de maio de 2016

A Cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom




"A Cura de Schopenhauer" de Irvin D. Yalom
Saída de Emergência, 2009
320 Páginas


"A Cura de Schopenhauer" consiste numa (muito) feliz mistura de filosofia com psiquiatria/psicoterapia e literatura, permitindo-nos uma viagem ao pensamento do filósofo alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860), sem esquecer as passagens ainda que breves por Immanuel Kant (1724-1804) e por Friedrich Nietzsche (1844-1900). Trata-se acima de tudo de um romance de ideias em que o autor, Irvin D. Yalom, consegue a fantástica proeza de nos oferecer umas quantas sessões de psicoterapia à distância.

Yalom centra a obra na relação que o homem tem por um lado, com a morte, e por outro, com o sexo, levando-nos a reflectir sobre o sentido e o significado destas na nossa vida. De forma inconsciente, o leitor entra em psicoterapia, vendo-se a repensar e a questionar algumas das suas crenças muito naturalmente e determinados rumos que a vida, por vezes, segue quando nos relacionamos com os outros. É um livro que quebra as amarras do pensamento, desfaz os nós e que consegue deixar o leitor de alma lavada.

Não é a primeira vez que leio Yalom e parece-me que também não será a última. Até à data "Quando Nietzsche chorou" era o meu livro preferido deste autor. Continua a sê-lo, mas "A Cura de Schopenhauer" também passará a integrar essa categoria especial, apenas reservada àqueles livros cuja leitura e mensagem, passe o tempo que passar, jamais se esquecerá...! Excelente.
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"Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça. (...) No fim, ela vence, pois desde o nascimento é esse o nosso destino e ela brinca um pouco com a sua presa antes de a comer. Mas continuamos a viver com grande interesse e inquietação durante o máximo tempo possível, do mesmo modo que sopramos uma bola de sabão até que esta ficar bastante grande, embora tenhamos a certeza absoluta que vai rebentar. (...)" (Yalom, 2009, p.11)

https://www.goodreads.com/review/show/1618679106?book_show_action=false

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O Pecado de Darwin, de John Darnton


"O Pecado de Darwin" de John Darnton
Casa das Letras, 2009
370 Páginas


Sendo baseado em documentos históricos, "O Pecado de Darwin" é nos contado de três ângulos diferentes, o que confere um certo dinamismo à leitura: o percurso de Charles Darwin (1809-1882) até à sua viagem no Beagle, muito inspirado pela vida e obra do geógrafo alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), e a viagem propriamente dita, as cartas da sua filha Lizzie e ainda a viagem de descoberta de Hugh e de Beth à volta da vida de Darwin e das suas próprias vidas. 

Inicialmente, a obra pareceu-me algo monótona, tendo mesmo chegado a pensar estar diante de um mero relato de viagens de descoberta científica numa ilha e no Beagle. No entanto, o encontro de Hugh e de Beth e a partida inesperada desta última acabou por dar um novo fôlego à mesma e transformar a minha ideia inicial, bem como o aparecimento da primeira carta da filha de Darwin. Qualquer um destes três ângulos encontra-se envolto em grande mistério até lermos mais de 60% da obra e só muito próximos do final é que a história (resultante da junção dos três ângulos) começa a fazer sentido e tudo começa a encaixar. 

A obra gira sobretudo em função da teoria da evolução através da selecção natural. São referidos (e surgem) vários nomes de pensadores/cientistas contemporâneos de Darwin, bem como a hipótese da teoria não ter sido total e originalmente criada por este. Gostei e talvez um dia me aventure na leitura de "A Viagem do Beagle", a viagem que, tendo durado quatro anos e nove meses, seria responsável por influenciar e determinar o desenvolvimento da teoria de Darwin e, consequentemente, por inspirar o aparecimento do Darwinismo Social e influenciar o desenvolvimento de teorias noutras áreas do conhecimento, como a da Geografia, e dos fundamentos de concepções do mundo, como a de Adolf Hitler (a propósito da maior aptidão e capacidade da raça ariana para sobreviver e dominar em contraste com a inaptidão dos judeus, por exemplo, que deveriam desaparecer...).  

https://www.goodreads.com/review/show/1618641609