domingo, 28 de novembro de 2021

"O Profeta" de Kahlil Gibran

 


"O Profeta" de Kahlil Gibran
11x17, 2019
142 páginas

Publicado pela primeira vez em 1923, "O Profeta" fez-me lembrar "Assim Falava Zaratustra" de Friedrich Nietzsche, cujo lançamento remonta a 1883. Em ambos os casos, a montanha está presente ("(...) Mas ao descer a montanha, uma sensação de tristeza apoderou-se de si." [p.9]) e quer o Profeta quer Zaratustra são encarados como sábios, seres iluminados prontos a "espalhar" o seu conhecimento. 

Quem influenciou quem? Nietzsche escreveu "Assim Falava Zaratustra" antes de Gibran ter escrito "O Profeta", pelo que à partida Gibran terá sido influenciado por Nietzsche e não o contrário. E a verdade é que, depois de investigar, confirmei que Nietzsche (tal como William Blake, por exemplo) está entre as influências de Gibran. 

Esta edição de "O Profeta" da 11x17 é composta por duas partes: "O Profeta" e "O Jardim do Profeta", sendo que gostei mais da primeira parte por me parecer mais cuidadosamente composta. Todavia, é na segunda parte que se encontra aquele que é, talvez, a minha passagem favorita neste pequeno e nem por isso menos intenso livro:

"(...)falais da noite como a estação do descanso. Contudo, na verdade, a noite é a estação da procura e do encontro. O dia dá-vos o poder do conhecimento e ensina os vossos dedos a versarem-se na arte de receber, mas é a noite que vos conduz até à casa dos tesouros da Vida. O sol ensina a todas as coisas que crescem a sua ânsia pela luz. Porém, é a noite que as eleva às estrelas. É sem dúvida o sossego da noite que tece um véu de noiva sobre as árvores da floresta e as flores do jardim, proporcionando em seguida um luxuoso banquete e preparando a suite nupcial. É nesse silêncio sagrado que o amanhã é concebido no ventre do Tempo.(...)" [p.100]

A primeira parte é também a mais directa, focando-se cada capítulo num tema/assunto diferente, como: amor, casamento, filhos, dar, comer e beber, trabalho, alegria e tristeza, casas, roupa, comprar e vender, crime e castigo, leis, liberdade, razão e paixão, dor, autoconhecimento, ensinar, amizade, conversar, tempo, o bem e o mal, oração, prazer, beleza, religião, morte. 

Gibran deixa-nos a pensar na hora em que o lemos e muito depois de o termos lido, o que é inquietante e simultaneamente fascinante. Tenho várias passagens sublinhadas sobre as quais, sem querer penso. Deixo-vos mais algumas porque a leitura de "O Profeta" é, de facto, inspirador e recomendo vivamente. 

"(...) permiti que haja espaço na vossa união. (...) Cantai e dançai e sede alegres, mas permiti ao outro estar sozinho (...). (...) E permanecei juntos, embora não demasiado perto (...)" [pp. 18 e 19]

"(...) Quando vos dais a vós próprios é que dais verdadeiramente. (...)" [p.22]

"(...) Quando estiverdes alegres, olhai para o fundo do vosso coração e descobrireis que só aquilo que vos deu tristeza é que vos pode dar alegria. Quando estiverdes tristes, olhai de novo para o vosso coração, e vereis que, chorais por aquilo que foi o vosso deleite. (...)"[p.30]

"(...) Só podereis ser livres quando até o desejo de liberdade se transformar num arnês e quando deixardes de falar em liberdade como sendo um objectivo e uma satisfação. Sereis livres, sim, mas não quando a preocupação deixar de consumir os vossos dias, nemquando as vossas noites forem despojadas de mágoa e necessidade. mas quando estas coisas rodearem a vossa vida e conseguirdes erguer-vos acima delas nus e soltos. (...)" [p.45]

"(...) Alguns de vós chamaram-me distante, embriagado na minha própria solidão. E dissestes: "Ele convive com as árvores da floresta mas não com os homens" e "Senta-se sozinho no topo das colinas e olhade cima para a cidade". É verdade que subi colinas e caminhei por lugares remotos. Como poderia eu ter-vos visto senão de uma grande altura ou a uma grande distância? Como pode alguém ficar perto se não estiver longe?(...)" [p.80]



https://www.goodreads.com/review/show/4357382292

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

"Milena und die Briefe der Liebe" de Stephanie Schuster



"Milena und die Briefe der Liebe" de Stephanie Schuster
ATB, 2020
368 Páginas

Quando parti para a leitura de "Milena und die Briefe der Liebe" estava à espera de algo ligeiramente diferente do que acabei depois por encontrar e passo a explicar. Duas foram as razões principais que me levaram a querer ler este livro: a relação de Milena com Franz Kafka, autor de um dos meus livros preferidos, "O Processo"; e a paixão de Milena pela escrita, algo que temos em comum. 

A verdade, porém, é que boa parte do livro foca-se essencialmente em Milena antes de Kafka. Só muito depois de lida mais de metade do livro é que assistimos à construção da relação entre ambos, iniciada com a troca de correspondência de Milena, que muito anseia traduzir os trabalhos do autor de alemão para checo. Isto aborreceu-me. Ainda que eu compreenda a lógica de enquadrar todo o percurso de Milena anterior a Kafka, considero que a autora se perde demasiado em detalhes de aspectos menores e o estilo de escrita usado para apresentar Milena no início soa-me um pouco ao piroso romantismo de cordel. 

Quando começa a escrever ao escritor checo, Milena Jesenská, flha de um médico e na altura a viver em Viena, está casada com Ernst Pollak vivendo um casamento de fachada. Ela ama-o, ele parece totalmente desinteressado, o que a deixa frustrada e a dado momento a leva a procurar investir num trabalho que realmente aprecie... É, deste modo, que se inicia a sua carreira como jornalista. Também é através de Pollak que Milena conhece Kafka vários anos antes em Praga, mas tanto quanto se percebe esse primeiro contacto é mais um contacto de "vista" do que um contacto de facto. A frustração amorosa leva-a a procurar viver a sua paixão pela escrita... e, para além do jornalismo, procura encontrar satisfação na tradução. Lembra-se, então, de Kafka. 

É a partir da entrada em cena de Kafka que, na minha perspectiva, "Milena und die Briefe der Liebe" adquire um novo interesse. Schuster apresenta-nos um romance de cartas, platónico, que não leva a lado nenhum, mas que dá a Milena uma nova perspectiva da vida amorosa e profissional. Como se Kafka acabasse por ser a "peça-chave" da sua vida... E, pelos vistos, foi de facto. 

Mas... Eu não consegui adorar a forma de escrita de Schuster nem a figura de Milena (mistura de infantil com caprichosa com ingénua/sonhadora). Aliás, até a figura de Kafka me conseguiu, por vezes, irritar da forma como foi apresentada. 

Por isso, dou-lhe apenas três estrelas. Acho que estava à espera de outra coisa, sendo que aquilo de que gostei sobretudo foi de conhecer todo o enquadramento histórico que rodeou a relação entre estas pessoas na realidade. 


https://www.goodreads.com/book/show/56054844-milena-und-die-briefe-der-liebe