segunda-feira, 27 de junho de 2016

Não terão o meu ódio, de Antoine Leiris


"Não terão o meu ódio" de Antoine Leiris
Objectiva, 2016
139 Páginas

"Não terão o meu ódio" é um livro escrito pelo marido de uma das vítimas, Hélène Muyal-Leiris (http://www.lemonde.fr/attaques-a-pari... ) do atentado de Paris, ocorrido a 13 de Novembro de 2015. 
Hélène morreu no Bataclan, deixando uma criança com um ano e meio, Melvil, e sobre os primeiros dias após a sua morte que Antoine Leiris escreve, na ânsia de se libertar da dor e para que o seu sofrimento fique domesticado, encerrado na jaula com grades de papel, como sublinhou quase nas últimas páginas do livro. 

Leiris começou a escrevê-lo depois de ter publicado na sua página de facebook o texto "Vous n'aurez pas ma haine" (https://www.facebook.com/antoine.leir... ), que se tornou conhecido pelos quatro cantos do mundo. É escrito com o coração, com todo o coração (ou com o que resta dele). É profundo, sensivel, carregando de sentido e de uma força brutal, a força do amor. O texto é belissimo, constrastando com a tristeza e carga da situação que lhe deu origem. O mesmo é válido para este livro...

Lê-se rápido, depressa, sem grandes vontades de pausa. E não se fica indiferente. Não se fica de todo. Dá vontade de recuar no tempo e munidos de poderes sobrenaturais trazer Hélène (e todas as outras vítimas deste atentado) de volta para a(s) sua(s) bonita(s) família(s) e deixar que sejam felizes no seu mundo para sempre, sem sofrerem com um ódio cego que não lhes pertence e que orienta este mal com cada vez mais peso nos nossos dias, o Terrorismo...!
*
"É claro que ter um culpado à mão, alguém sobre quem possamos despejar a nossa raiva, é uma porta entreaberta, uma oportunidade para nos esquivarmos ao sofrimento. E quanto mais detestável for o crime, mais o culpado é ideal, mais o ódio é legítimo. Pensamos nele para deixarmos de pensar em nós próprios, detestamo-lo a ele para não odiarmos a nossa vida, regozijamo-nos com a morte dele para não voltarmos a sorrir aos que cá ficaram." 
(Leiris,2016, p. 39)

https://www.goodreads.com/review/show/1679507542?book_show_action=false

domingo, 26 de junho de 2016

Danúbio, de Claudio Magris


"Danúbio" de Claudio Magris
Quetzal, 2010
541 Páginas


Considerar que "Danúbio" se trata de literatura de viagens é, por si só, bastante redutor. Na verdade, Claudio Magris brinda-nos com uma obra que para além da viagem que faz e sobre a qual vai escrevendo ao longo do curso do segundo maior rio da Europa, o Danúbio, está cheia de histórias da História e de estórias. Às vezes, "Danúbio" parece um grande ensaio (às vezes, até em demasia) sobre o rio e as várias populações que vivem junto dele, mas também sobre o tema da Mitteleuropa, que, ao contrário do que está escrito na aba esquerda do livro, não foi um conceito criado por Magris.

O termo Mitteleuropa surgiu antes da Primeira Guerra Mundial, sendo que Magris nasceu apenas em 1939 (em Abril), no mesmo ano em que se iniciaria a Segunda Guerra Mundial. De uma forma geral, o conceito de Mitteleuropa relaciona-se com a ideia de controlo e dominio da Europa do Meio pelos povos de língua e cultura alemã. E esse aspecto, o da ideia de controlo e domínio alemão deste espaço europeu, é igualmente abordado diversas vezes por Magris, bem como a disputa e a relação deste com o poder austriaco. 

Magris leva-nos a percorrer a cultura da Alemanha, da Áustria, da Hungria, da ex-Jugoslávia, da Roménia e da Turquia, mediante as impressões que publica em 1986, ano em que ainda não se havia verificado a queda do Muro de Berlin, ainda havia Jugoslávia e a União Soviética era uma realidade. 

A data da obra é, assim, um aspecto digno de nota, permitindo considerar esta como um testemunho histórico. Quanto à cultura, esta surge-nos através da referência, algo detalhada, de escritores, pintores, músicos, filósofos, mas também das impressões que a paisagem e os próprios cidadãos vão despertando em Magris. 

Não sendo um livro que possa ser lido de uma assentada só, é um livro com que se pode aprender imenso, revisitar algumas ideias, repensar outras e abrir horizontes. "Danúbio" é para se ir lendo aos poucos, devagar, para se saborear bem até ao fim. 
*
"A Mitteleuropa é da terra, "alpenstock" e roupas de pesado pano verde, ordem meticulosa de erários e de chancelarias: civilização de quem perdeu a familariedade com o elemento líquido, com o mar amiótico materno e com as antigas águas originárias, e não se despe facilmente, porque sem casaco, fronteira, posto, emblema e número de registo se sente indefeso e pouco à vontade. (...) é uma grande civilização da defesa, (...), das trincheiras e das tocas escavadas em protecção contra os assaltos do exterior. A cultura danubiana é uma fortaleza que oferece um poderoso refúgio quando nos sentimos ameaçados pelo mundo, agredidos pela vida e com medo de nos perdermos na realidade instável, pelo que nos fechamos em casa (...)" 
(Magris, 2010, pp.200-201)

https://www.goodreads.com/review/show/1642057469?book_show_action=false

segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Irmão Alemão, de Chico Buarque

"O Irmão Alemão" de Chico Buarque
Companhia das Letras, 2015
182 Páginas

"O Irmão Alemão" não é, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, uma obra biográfica. É um misto de realidade com ficção, mas Chico Buarque teve efectivamente um irmão alemão, Sergio Günther (Para mais informações: http://www.dw.com/pt/historiador-revela-detalhes-sobre-irm%C3%A3o-alem%C3%A3o-de-chico-buarque/a-18079537 ) e andou a investigar sobre a sua vida.

Chico Buarque tem um estilo meio musical quando escreve. As palavras, as frases, os parágrafos e as páginas parece que dançam e cantam. Dá gosto lê-lo. Por outro lado, os livros de Buarque têm em mim sempre o mesmo efeito: começam muito interessantes no início, mas chegados a meio sinto uma sensação misto de desencontro, desorientação e confusão. Não sei se sou eu que me perco na forma e, portanto, se é defeito meu, ou se é Buarque que se perde... No fim, quando termino o livro, quero mais. Porém, os livros dele não me conseguem levar a abstrair totalmente e "entrar" na história, pelo que fico com uma sensação imensa de falta de qualquer coisa. 

Nesta obra em particular, Chico Buarque divaga muito sobre o que foi ou que não foi, o que poderia ter sido e o que foi a história do seu pai com a alemã e do irmão alemão nascido dessa relação que ele não chegou a conhecer. No entanto, não se percebe muitas vezes se o que escreve foi passado acontecido ou se tudo não passa de uma mera hipótese sonhadora. Há, de igual modo, referências à imensa biblioteca do pai e ao gosto sensual do músico escritor pelos livros, que se traduzem em muito belas passagens, dignas de nota e merecedoras de uma leitura e releitura. 

No geral, posso dizer que gostei, sem ter adorado. Sinto que lhe falta qualquer coisa. Talvez tenha ficado a meio caminho. A meio caminho, saído de um cruzamento com várias hipóteses possíveis. Porque há partes na obra, com argumento mais do que suficiente, que bem podiam dar para escrever outro livro que nada tivesse a ver com "O Irmão Alemão"...
*
"Até então, para mim, paredes eram feitos de livros, sem o seu suporte desabariam casas como a minha, que até no banheiro e na cozinha tinha estantes do teto ao chão. E era nos livros que eu me escorava, desde muito pequeno, nos momentos de perigo real ou imaginário, como ainda hoje nas alturas grudo as costas na parede ao sentir vertigem. E quando não havia ninguém por perto, eu passava horas a andar de lado rente às estantes, sentia certo prazer em roçar a espinha de livro em livro. Também gostava de esfregar as bochechas nas lombadas de couro de uma coleção que, mais tarde, quando já me batiam no peito, identifiquei como os Sermões do Padre Antônio Vieira. (...) durante toda a minha infância mantive essa ligação sensual com os livros. (...)" (Buarque,2015, p.15).

https://www.goodreads.com/review/show/1642058864

terça-feira, 14 de junho de 2016

Cândido, de Voltaire


"Cândido" de Voltaire
Abril/Controljornal & Biblioteca Visão, 2000
126 Páginas

"Cândido" é uma obra plena de ironia do início ao fim e a ingenuidade da personagem principal (para o bem e para o mal), que dá o nome à obra, chega a causar alguma confusão ao leitor. Todo o livro soa a uma grande fantasia, já que quase todas as personagens morrem (ou quase) e voltam a aparecer posteriormente numa fase avançada do livro vivas e noutras partes do mundo.

Voltaire brinda os seus leitores com uma pequena obra feita de viagens, em que, entre outros outras paragens, Cândido visita Portugal - quase no início da história - por altura do Terramoto e Maremoto de 1755 em Lisboa (aspecto que admirei particularmente; não pelo acontecimento em si, mas pelo facto de um autor francês do século XVII-XVIII falar de Portugal e inclui-lo na narrativa), e vai lidando com o bem e o mal, o pessimismo e o optimismo e, sobretudo, mais com o mal do que com o bem e mais com a ingenuidade do que propriamente com o optimismo (na minha visão, claro). É enganado vezes sem conta, perde, reencontra e volta a partir em busca do seu amor Cunegundes. Afinal, é sempre esse amor que o move até ao fim da história. 

É um livro estranho, à partida. Num certo sentido irreal, noutro estamos unicamente a falar da realidade da vida e dos seus momentos neutros, maus e em menor grau bons. A grande mensagem que acima de tudo se deve retirar da sua relaciona-se com a vantagem de ser optimista ou, pelo menos, um pessimista optimista, ou seja, sem mitigar a realidade e os infortúnios, e sabendo que na maioria das vezes é o mal que ganha, continuar, persistir e lutar até ao fim na esperança de que o bem também consiga triunfar!
*
"-Que é isso do optimismo? - perguntava Cacambo. 
- Ai! - respondeu Cândido - É o furor de insistir que tudo está bem quando está mal! (...)" (Voltaire, 2000 p. 70).

https://www.goodreads.com/review/show/1642069485

sábado, 11 de junho de 2016

Vitória de Inglaterra: a rainha que amou e ameaçou Portugal, de Isabel Machado



"Vitória de Inglaterra: a rainha que amou e ameaçou Portugal" de Isabel Machado
Esfera dos Livros, 2014
416 Páginas

Gostei imenso de ler "Vitória de Inglaterra: a rainha que amou e ameaçou Portugal", um romance histórico sobre a Rainha Vitória de Inglaterra (1819-1901), que bem poderá ser conhecida como a avó da Europa, dado ao facto de várias casas reais terem ainda hoje no trono directa ou indirectamente descendentes desta rainha. Muito apaixonada pelo seu rei Alberto, Vitória viveu até aos 81 anos de idade, tendo mantido uma relação próxima com os monarcas portugueses até quase ao fim da Monarquia em Portugal: D. Maria II (e D. Fernando II), D. Pedro V, D. Luís I e D. Carlos I, aspecto que é manifestamente abordado do início ao fim e que dota a obra de grande originalidade, na minha perspectiva. 

Ao longo da obra, a autora recorre sobretudo à apresentação de correspondência trocada entre Vitória e os reis portugueses, à narração da história na terceira pessoa e à narração da história na primeira pessoa (a de Vitória), alternando-as num mesmo capítulo, sem que o leitor se sinta confuso. Isabel Machado surpreendeu-me igualmente ao presentar o leitor com algumas passagens belissimas de prosa poética, género literário que muito aprecio. Não conhecia a sua escrita, tinha inclusivamente algum receio do que poderia vir a encontrar e, na verdade, fiquei fã e com vontade de ler mais obras da sua autoria. 

Absolutamente brilhante, a obra distrai ao mesmo tempo que nos ensina, sendo-nos dada a conhecer, por exemplo, a história do Palácio da Pena (refiro-me à intervenção do rei alemão, D. Fernando), do Hospital da Estefânia e em certa medida do Palácio das Necessidades. É também abordado o controverso episódio do Ultimato inglês por altura do mapa cor-de-rosa, visto do prisma inglês. 

Já me tinha cruzado anteriormente com Vitória, por se tratar da avó de Guilherme II (Imperador da Alemanha), mas não tinha opinião formada sobre esta. Conhecia-a acima de tudo por ser detentora de uma marinha que o último Imperador alemão muito admirava e queria copiar. Agora, fiquei a conhecê-la mais profundamente. E foi uma agradável surpresa...! Não só a escrita romanceada de Isabel Machado, como também a exaustiva e profunda investigação que suporta este romance histórico. Muito bom!
*
"Quero a troca de olhares de incêndio, idealizo o fulgor da luz sobre os corpos quebrados de ardor, as mãos suadas de desassossego sobre o calor da pele, que ateiem e amansem a minha febre. (...) Tenho sede de alguém que me resgate de mim, me livre desta cativa condição, num tempo novo, um dealbar de sonhos e descobertas, senda de bonança, acalmada a minha ira e arredada a funesta desesperança. Caminharemos juntos, tu e eu, desforrada a danada solidão, desfeita a angústia da incerteza, ganharei sentido para os meus dias e serenidade para a minha alma instável, suave e dura, de pedra e mel, tristemente oculta pela tua ausência, na longa espera de voluptuosa, casta, tormentosa e plácida inquietação. Onde estás?" (Machado, 2014, p.42)

https://www.goodreads.com/review/show/1642055628

sexta-feira, 3 de junho de 2016

A Última Estação, de Jay Parini




"A Última Estação" de Jay Parini
Editorial Presença, 2007
266 Páginas


"A Última Estação" de Jay Parini romanceia o último ano de vida do escritor russo Leo Tolstói (1828-1910), que morreu com cerca de oitenta e dois anos de idade, e, portanto, a obra foca-se essencialmente na relação algo tempestuosa com a mulher Sofia, com quem teve treze filhos, e no desejo inabalável de Tolstói levar uma livre simples e pacata, tal como um camponês, longe das luzes da ribalta. 

Tendo inclusivamente dado origem a um filme com o mesmo nome (o trailer pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=2woUBZLxa4o ) dirigido por Michael Hoffman, Jay Parini dá-nos a conhecer também as linhas principais do pensamento do escritor russo, fornecendo-nos aqui e ali algumas informações sobre a concepção da obra "Anna Karenina", por exemplo. Convém, neste sentido, sublinhar o trabalho de pesquisa que o autor fez recorrendo a biografias, bem como a cartas e diários pertencentes aos envolvidos na história. 

Relativamente à leitura, esta flui em alguns momentos com maior profundidade (quase que espiritual, sobretudo quando aborda a questão da relação entre a alma e o corpo), sendo apresentadas as perspectivas de seis personagens diferentes em alternância: dois tolstoianos, o médico de Tolstói, uma das filhas de Tolstói (Sacha), a mulher e o próprio Tolstói, o que acaba por facilitar a compreensão da história de uma forma natural e fazer com que o leitor se sinta mais presente, quase como se também fosse parte desta, até porque essas perspectivas surgem escritas na primeira pessoa. 

No geral, gostei da obra e recomendo-a acima de tudo a quem desejar conhecer como foi a fase final da vida de Leo Tolstói, mas confesso que os últimos três capítulos relativos à sua morte me custaram um pouco a ler. Não sei se pelo acontecimento da morte em si mesmo, se pela escrita de Jay Parini, se por meu mero estado de espírito...

*
"A última estação estava deserta àquela hora. Ao sentar-me sozinho na plataforma, estudei os carris prateados que seguiam até ao infinito. Ocorreu-me que a vida do corpo e a vida da alma são como estes carris: correm paralelas em direcção ao futuro visível. Gostamos de imaginar um ponto de encontro, um cruzamento onde o corpo terrestre se junta ao corpo celestial. Mas isso é uma ilusão. O carril do corpo, em determinado lugar, numa altura específica, pára. O carril do espírito continua, talvez até ao infinito." (Parini, 2007, p. 238).

https://www.goodreads.com/review/show/1642054293?book_show_action=false