segunda-feira, 7 de março de 2016

O Diário de Helga, de Helga Weiss



"O Diário de Helga" de Helga Weiss
Bertrand Editora, 2013
215 Páginas

"O Diário de Helga" corresponde a uma obra surgida a partir dos caderninhos que Helga Weiss utilizou para descrever os seus dias durante a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, o que sofreu na pele sendo judia na sequência da ocupação da Checoslováquia pelo III Reich alemão em 1939. 

A obra encontra-se dividida em três partes: uma sobre a vida de Helga quando ainda vivia em Praga com o pai que trabalhava num banco e a mãe modista; uma relativa ao período em que esteve em Terezín, uma cidade também localizada na Checoslováquia; e uma em que se refere à sua passagem por Auschwitz, Freiberg e Mauthausen, onde passa o período mais negro da sua existência enquanto judia perseguida e com a ameaça sempre em mente da morte nas câmaras de gás. 

Tratando-se de um relato verídico, o diário de Helga começa quando esta tem ainda cerca de 9 anos e terminará já quando esta está com cerca de 16 anos em 1945, a tão desejada e dificil paz chega finalmente e ela consegue regressar com vida à sua cidade natal, Praga. Algumas páginas estão salpicadas de desenhos (uns a preto e branco e outros a cores) que Helga fez durante o tempo em que esteve presa nestes campos, mas sobretudo em Terezín, onde apesar de tudo ainda conseguiu (graças ao pai) ter melhores condições. Helga relatou aquilo por que passou pela escrita e pelos desenhos sempre muito esclarecedores sobre a realidade que experimentava. 

Enfim, um testemunho vivido cuja leitura recomendo vivamente porque continua a ser importante conhecer a História e, acima de tudo, tendo a possibilidade de o fazer a partir de uma experiência real sobre um período tão negro da História da Humanidade, que importa não esquecer para que não se repita...


Para quem tiver curiosidade em conhecer a autora, poderá assistir a uma entrevista dela aqui:

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https://www.goodreads.com/review/show?id=1568675796

quinta-feira, 3 de março de 2016

A Peregrinação do Rapaz Sem Cor, de Haruki Murakami

"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" de Haruki Murakami
Casa das Letras, 2014
362 Páginas


"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" relata a viagem que Tsukuru Tazaki, com 36 anos, faz de regresso às suas amizades de adolescência e, sobretudo, ao modo como estas terminaram. Algo que sempre o perturbou e que em certo sentido lhe aprisionou a existência.


Introvertido e solitário, Tsukuru conseguiu fazer da paixão que tinha, por se sentar nas estações de comboios e ficar a vê-los passar, a sua profissão, tendo-se tornado num engenheiro especialista na projecção e remodelação de estações.


A história que Murakami nos traz desta vez é, em boa medida, kafkiana. Sentem-se ecos de Kafka volta e meia, sem que se note um esforço excessivo da parte do autor nesse sentido. É algo natural e é-o de tal forma que o leitor se conhecer "A Metamorfose" de Kafka experimentará uma sensação interessante de familiaridade, mas com contornos diferentes. Aqui temos mais cor, mais cores, e mais vida. E assistimos a uma metamorfose da personagem de Tsukuru, cujo objectivo será levá-lo a libertar-se de um passado que deixou de compreender e com reflexos no presente e a entender melhor o mundo que o rodeia. 


Recomendo a obra não só aos fãs de Kafka e aos de Murakami, como também a todos aqueles que não são fãs de Kafka, ou ainda àqueles que nunca leram nem Kafka nem o próprio Murakami. É uma leitura que vale a pena!

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"As pessoas aproximavam-se dele, mas depois, no fim, acabavam sempre por partir. Vinham ter com ele à procura de alguma coisa e, ou porque se mostravam incapazes de encontrar o que pretendiam, ou por ficarem desencantadas com o que encontravam, davam-se por vencidas e desapareciam. Um dia, subitamente, volatilizavam-se. Sem uma palavra de despedida, sem grandes explicações. Como se um machado afiado cortasse de um só golpe os vínculos que os uniam, pelos quais ainda continuava a correr o sangue quente que fazia palpitar as veias. " [Murakami, 2014, p. 125]

sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Honra Perdida de Katharina Blum, de Heinrich Böll


"A Honra Perdida de Katharina Blum" de Heinrich Böll
Abril/Controljornal, 2000
94 Páginas



"A Honra Perdida de Katharina Blum", existente também em filme, é uma obra que acima de tudo nos leva a reflectir por um lado, sobre o perigo de uma imprensa sensacionalista (que escreve tudo o que lhe apetece com o objectivo de aumentar as tiragens do jornal, "Zeitung") e, pelo outro, sobre a ambiguidade existente em torno da liberdade de imprensa (que deve ser livre para informar os seus leitores com o que entender, mas sem com isso deturpar e forjar a realidade). 

Katharina Blum acaba por ser um mero instrumento da imprensa e vítima de uma complexa teia de poderes, só porque se decide envolver numa festa de Carnaval com a pessoa errada, Ludwig Göette, um assaltante de bancos procurado pela polícia alemã. A partir daí a vida da inocente Blum desaba...

Böll opta por uma narrativa que parece ser uma mistura da reconstrução que a polícia faz do "crime" de Blum com um estilo mais jornalistico. Por outro lado, o leitor sente que, por vezes, é um espectador, de todo o desenrolar da história, a quem o narrador lhe vai oferecendo vários dados que lhe permitem tirar as suas próprias conclusões sobre um caso de acasos errados (fabricados), injustiça e jogos de poder.

Gostei, mas tendo em atenção tratar-se de um escritor alemão, Heinrich Böll, que foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1972, estava à espera de uma leitura mais densa e de uma história com um pouco mais de profundidade. É uma leitura leve, rápida, apesar das várias e diferentes personagens com quem nos cruzamos ao longo das suas 94 páginas.

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"Podes meter esses teus sentimentos no frigorífico, que é onde guardas todos os outros". [Böll, 2000, p.89]

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Meu Século, de Günter Grass


"O Meu Século" de Günter Grass
Casa das Letras, 2006
287 Páginas


"O Meu Século" de Günter Grass é daqueles livros díficeis de nos agarrar... E a mim, não me conseguiu agarrar. Não me conseguiu sequer prender. Li-o porque tinha de o ler!

Para além do tempo, os tais cem anos (o livro começa em 1900 e termina em 1999), e o espaço, entenda-se a Alemanha, não se percebe qual o fim condutor da obra. O narrador assume, por vezes. o papel de uma mulher, outras vezes, de um casal e parece-me (porque a escrita nem sempre é muito clara, o que não nos permite ter certezas de nada) também que o próprio autor se coloca nessa posição.


Por cada ano, o leitor é presenteado com duas a três páginas totalmente inesperadas. Nunca sabe se bem o que se irá encontrar a seguir. Há momentos em que Grass consegue dar uma ideia dos principais acontecimentos desse ano, mas há outros em que um conhecedor de História alemã (nomeadamente do século XX e XXI) se questiona o porquê de ele escrever sobre o tipo de pequeno almoço tomado e uma conversa totalmente banal que o narrador teve com a esposa, parecendo que se está diante do excerto de um diário. 


Há, contudo, partes que saliento porque me conseguiram chamar à atenção para caracteristicas do período histórico a que se referem, como uma transcrição de uma conversa com Remarque ou Jünger a respeito da Primeira Guerra, o cenário de lascas de tijolos por toda a parte em que a Alemanha se vê logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a descrição das lojas com montras a abarrotar quando a moeda da Alemanha Ocidental começa a ser o D-Mark, uma carta de reclamação à Volkswagen (porque o carocha não chega à RDA), o problema das florestas alemães que começam a sofrer os efeitos das chuvas ácidas nos anos oitenta e até a própria venda de armas alemãs ao regime de Saddam Hussein.... 


Face ao exposto, julgo que o mais proveitoso para aqueles que se decidirem a ler esta obra será lerem um ou dois textos por dia. Não adianta tentar ler este livro como um romance, nem tão pouco o leitor deverá temer não se lembrar do que Grass escreveu no texto do ano anterior àquele (texto) que se encontra a ler no presente momento. "O Meu Século" é, na verdade, um conjunto de textos de vários temas (sempre relacionados com a Alemanha, mas muito dispersos entre si) que se vão encaixando em cada ano, entre 1900 e 1999.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O Despertar do Mundo, de Rhidian Brook

"O Despertar do Mundo" de Rhidian Brook
Edições Asa, 2014
328 Páginas

Baseado na experiência do avô do autor, "O Despertar do Mundo" retrata a Alemanha saída da Segunda Guerra Mundial, em 1946, quando derrotada e dividida se encontra em ruínas, faminta e a carecer de uma complexa reconstrução da sua sociedade e das vidas individuais dos alemães.

A história passa-se no sector inglês (recorde-se que a Alemanha havia sido dividida em quatro sectores, cada qual ao cargo de uma das quatro potências vencedoras: EUA, Grã-Bretanha, França e URSS), entre uma família inglesa (a do coronel Lewis Morgan) que vai ocupar uma casa de uma família alemã (Lubert), sem a desalojar, o que não era muito comum, na cidade de Hamburg. 

Numa Alemanha a tentar recuperar a paz, cada um dos elementos de cada uma destas duas famílias está também a viver um conflito interno. Ambas sofreram e sofrem com a perda de familiares chegados por causa da Guerra, estando inconformadas com a realidade. No meio de tudo isto, há também lugar para uma paixão proibida e traição, motes para a libertação de algumas personagens e para o virar da página ao passado recente. Há igualmente a rebeldia e a solidão e a esperança que nasce inesperada dos escombros, dando um rumo surpreendente à história.

Gostei muito deste livro, bem escrito e articulado, e ainda mais por saber que se baseia em factos reais. O tema da Alemanha no pós Guerra é-me querido e o modo como este militar defende a importância da convivência com respeito entre vencedores e vencidos de uma Guerra parece-me particularmente feliz e inteligente (embora tudo tenha os seus prós e contras no que respeita à vida de cada um). Na minha opinião, esta trata-se de uma interessante lição de vida, sendo que o argumento desta história dava, sem dúvida nenhuma, um excelente filme! 

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"Raramente falamos das coisas que realmente importam. Andamos à volta delas em bicos de pés. Penso que é o espirito desta era. Uma ressaca dos vitorianos. Ou por causa de demasiadas guerras. Não sei. Se o futuro pudesse ser qualquer coisa, gostaria que fosse um futuro em que as pessoas pudessem falar daquilo que importa." [Rhidian Brook, 2014, p.244]

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O Fim de Semana, de Bernhard Schlink



"O Fim de Semana" de Bernhard Schlink
Edições Asa, 2010,
192 Páginas


A história que Bernhard Schlink nos traz passa-se como o próprio título indica num fim-de-semana: Sexta-feira, Sábado e Domingo, quando um grupo de amigos outrora revolucionários e cheios de ideais se decidem reencontrar para festejar a libertação de um deles (após vinte e três anos de prisão), em tempos membro da "Rote Armee Fraktion" (RAF), uma organização terrorista alemã de extrema-esquerda operante entre 1970 e 1998 na Alemanha ocidental. 

Agora, todos eles estão perfeitamente integrados na sociedade contra a qual lutaram, desempenhando papeis perfeitamente normais. Temos um advogado, um jornalista, um empresário, uma pastora, uma professora e uma médica, entre outras personagens que vão surgindo na história para esmiuçar o sentido da verdade e o alcance dos sonhos da juventude. 

O autor explora aqui a culpa e o peso da memória que se quer esquecer, algo que lhe é caracteristico de outras obras, que muito se encontra relacionado com os complexos da sociedade alemã saída da Segunda Guerra Mundial, e que é particularmente evidente na geração de que o autor (nascido em 1944) faz parte. 

Schlink não escreve uma história ao nível de "O Leitor", obra também existente em filme e de sucesso inigualável, mas leva-nos uma vez mais a pensar na psicologia do que é ser alemão e do que é confrontar o passado histórico da Alemanha (questão do Nazismo e da sua relação com o Holocausto) com a realidade do Terrorismo. E esse Terrorismo aqui é não só próprio de uma circunstância própria do país (com o aparecimento da RAF nos anos 70), como também se relaciona com o 11 de Setembro e as mudanças daí decorrentes. 

Gostei de "O Fim de Semana" e recomendo a sua leitura, considerando, no entanto, que a sinopse do livro deveria ser reescrita, de forma a tornar o livro mais apelativo para qualquer leitor (e não apenas para os mais curiosos e conhecedores da História da Alemanha). Por outro lado, entendo que algumas personagens mereciam que o autor lhes tivesse dado maior profundidade e solidez, o que teria facilitado a passagem da mensagem que Schlink quer fazer e a que já me referi. 

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"Perdemos o que éramos e o que queríamos ser e talvez até aquilo que estávamos destinados a ser. Em troca, encontrámos outras coisas. (...)" [Bernhard Schlink, 2010, p.132]


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A Praia Roubada, de Joanne Harris

"A Praia Roubada" de Joanne Harris

Edições Asa, 2002
398 Páginas
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Em "A Praia Roubada" somos levados até à ilha de Les Salants, onde a protagonista mais conhecida por Mado decide voltar (após a morte da sua mãe com quem vivia em Paris) e acaba por dar um novo rumo à sua vida (regressando ao contacto com o pai) e também à própria ilha onde nasceu e cresceu. O reencontro com a irmã Adrienne, algum tempo depois, e o conhecimento que trava com um irlandês, Flynn, acabarão por influenciar de forma significativa a história. 


Convém salientar igualmente a existência de uma interessante animosidade e rivalidade da ilha de Les Salants (a prejudicada) com a de La Houssinière (a privilegiada) e o estranho mistério da areia que desaparece sem motivo aparente, aspectos centrais numa história muito marítima e onde todas as sensações são, por isso mesmo, sinónimo de mar, água e sal, praia, areia, navegar, barcos, temporal e vento. 


Joanne Harris mantém-se fiel ao estilo que já habituou os seus leitores e não os desilude. Misteriosa e rebelde e complexa que baste, a sua escrita e a história que criou conseguem cativar o leitor desde o início até ao fim, sem que se sinta um esforço exagerado. Aliás, este parece ser um dos seus talentos, que se manifesta de forma tão natural como o tipo de sensações que desperta!