domingo, 26 de junho de 2016

Danúbio, de Claudio Magris


"Danúbio" de Claudio Magris
Quetzal, 2010
541 Páginas


Considerar que "Danúbio" se trata de literatura de viagens é, por si só, bastante redutor. Na verdade, Claudio Magris brinda-nos com uma obra que para além da viagem que faz e sobre a qual vai escrevendo ao longo do curso do segundo maior rio da Europa, o Danúbio, está cheia de histórias da História e de estórias. Às vezes, "Danúbio" parece um grande ensaio (às vezes, até em demasia) sobre o rio e as várias populações que vivem junto dele, mas também sobre o tema da Mitteleuropa, que, ao contrário do que está escrito na aba esquerda do livro, não foi um conceito criado por Magris.

O termo Mitteleuropa surgiu antes da Primeira Guerra Mundial, sendo que Magris nasceu apenas em 1939 (em Abril), no mesmo ano em que se iniciaria a Segunda Guerra Mundial. De uma forma geral, o conceito de Mitteleuropa relaciona-se com a ideia de controlo e dominio da Europa do Meio pelos povos de língua e cultura alemã. E esse aspecto, o da ideia de controlo e domínio alemão deste espaço europeu, é igualmente abordado diversas vezes por Magris, bem como a disputa e a relação deste com o poder austriaco. 

Magris leva-nos a percorrer a cultura da Alemanha, da Áustria, da Hungria, da ex-Jugoslávia, da Roménia e da Turquia, mediante as impressões que publica em 1986, ano em que ainda não se havia verificado a queda do Muro de Berlin, ainda havia Jugoslávia e a União Soviética era uma realidade. 

A data da obra é, assim, um aspecto digno de nota, permitindo considerar esta como um testemunho histórico. Quanto à cultura, esta surge-nos através da referência, algo detalhada, de escritores, pintores, músicos, filósofos, mas também das impressões que a paisagem e os próprios cidadãos vão despertando em Magris. 

Não sendo um livro que possa ser lido de uma assentada só, é um livro com que se pode aprender imenso, revisitar algumas ideias, repensar outras e abrir horizontes. "Danúbio" é para se ir lendo aos poucos, devagar, para se saborear bem até ao fim. 
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"A Mitteleuropa é da terra, "alpenstock" e roupas de pesado pano verde, ordem meticulosa de erários e de chancelarias: civilização de quem perdeu a familariedade com o elemento líquido, com o mar amiótico materno e com as antigas águas originárias, e não se despe facilmente, porque sem casaco, fronteira, posto, emblema e número de registo se sente indefeso e pouco à vontade. (...) é uma grande civilização da defesa, (...), das trincheiras e das tocas escavadas em protecção contra os assaltos do exterior. A cultura danubiana é uma fortaleza que oferece um poderoso refúgio quando nos sentimos ameaçados pelo mundo, agredidos pela vida e com medo de nos perdermos na realidade instável, pelo que nos fechamos em casa (...)" 
(Magris, 2010, pp.200-201)

https://www.goodreads.com/review/show/1642057469?book_show_action=false

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