"Danúbio" de Claudio Magris
Quetzal, 2010
541 Páginas
Considerar que "Danúbio" se trata de literatura de viagens é, por si só, bastante redutor. Na verdade, Claudio Magris brinda-nos com uma obra que para além da viagem que faz e sobre a qual vai escrevendo ao longo do curso do segundo maior rio da Europa, o Danúbio, está cheia de histórias da História e de estórias. Às vezes, "Danúbio" parece um grande ensaio (às vezes, até em demasia) sobre o rio e as várias populações que vivem junto dele, mas também sobre o tema da Mitteleuropa, que, ao contrário do que está escrito na aba esquerda do livro, não foi um conceito criado por Magris.
O termo Mitteleuropa surgiu antes da Primeira Guerra Mundial, sendo que Magris nasceu apenas em 1939 (em Abril), no mesmo ano em que se iniciaria a Segunda Guerra Mundial. De uma forma geral, o conceito de Mitteleuropa relaciona-se com a ideia de controlo e dominio da Europa do Meio pelos povos de língua e cultura alemã. E esse aspecto, o da ideia de controlo e domínio alemão deste espaço europeu, é igualmente abordado diversas vezes por Magris, bem como a disputa e a relação deste com o poder austriaco.
Magris leva-nos a percorrer a cultura da Alemanha, da Áustria, da Hungria, da ex-Jugoslávia, da Roménia e da Turquia, mediante as impressões que publica em 1986, ano em que ainda não se havia verificado a queda do Muro de Berlin, ainda havia Jugoslávia e a União Soviética era uma realidade.
A data da obra é, assim, um aspecto digno de nota, permitindo considerar esta como um testemunho histórico. Quanto à cultura, esta surge-nos através da referência, algo detalhada, de escritores, pintores, músicos, filósofos, mas também das impressões que a paisagem e os próprios cidadãos vão despertando em Magris.
Não sendo um livro que possa ser lido de uma assentada só, é um livro com que se pode aprender imenso, revisitar algumas ideias, repensar outras e abrir horizontes. "Danúbio" é para se ir lendo aos poucos, devagar, para se saborear bem até ao fim.
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"A Mitteleuropa é da terra, "alpenstock" e roupas de pesado pano verde, ordem meticulosa de erários e de chancelarias: civilização de quem perdeu a familariedade com o elemento líquido, com o mar amiótico materno e com as antigas águas originárias, e não se despe facilmente, porque sem casaco, fronteira, posto, emblema e número de registo se sente indefeso e pouco à vontade. (...) é uma grande civilização da defesa, (...), das trincheiras e das tocas escavadas em protecção contra os assaltos do exterior. A cultura danubiana é uma fortaleza que oferece um poderoso refúgio quando nos sentimos ameaçados pelo mundo, agredidos pela vida e com medo de nos perdermos na realidade instável, pelo que nos fechamos em casa (...)"
(Magris, 2010, pp.200-201)
https://www.goodreads.com/review/show/1642057469?book_show_action=false
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