quinta-feira, 24 de março de 2016

Os Órgãos de Estaline, de Gert Ledig

"Os Órgãos de Estaline" de Gert Ledig
Ulisseia, 2005
168 Páginas


"Os Órgãos de Estaline" corresponde a um romance do autor alemão, Gert Ledig, sobre o cerco de Leninegrado, ocorrido entre Setembro de 1941 e Janeiro de 1944 (ao longo de 900 dias) durante a Segunda Guerra Mundial. Ledig participou neste cerco, tendo sido ferido em 1942, e é com base nesta sua experiência que decidiu escrever a presente obra. Ainda relativamente a Leninegrado importa referir que o cerco se enquadrou no âmbito da Operação alemã Barbarossa, destinada à invasão da União Soviética, onde se encontrava para Adolf Hitler o perigo bolchevique e, também, a questão por resolver dos judeus. Leninegrado, outrora denominada de São Petersburgo (até 1924, quando teve o seu nome alterado pelo regime bolchevique), fora uma sede de "esplendor imperial", capital do Império Russo, simbolo da vitalidade política, administrativa e cultural russa, bem como sendo o centro militar mais importante, característica que conservava aquando da Segunda Guerra Mundial. Era em Leninegrado que se encontravam as maiores fábricas de armamento e também o suporte da importante Frota do Báltico. Por outro lado, esta era igualmente um centro de revolução política e o berço do bolchevismo, sendo um alvo essencial para Hitler.


Apesar das suas 168 páginas, a leitura de "Os Órgãos de Estaline" é densa, como densas são as descrições do que se passa no campo de batalha, do que pensam e sentem aqueles homens que matam outros homens e perdem camaradas que tinham tudo para ter uma vida longa pela frente senão estivessem mandados pela cegueira política e ideológica. Ledig tem momentos que lembra a obra do também alemão Ernest Jünger, intitulada "Der Kampf als inneres Erlebnis"["A Guerra como Experiência Interior"], por escrever e descrever de forma tão realista e vivida a Guerra, mas também pela referência frequente que faz às trincheiras; depois fala dos tanques, as "panelas de aço sujas" (Ledig, 2005, p.52), tipicos da "Blitzkrieg" alemã e sublinha o fanatismo cego e mesquinho com que os alemães tentam avançar, bem mais caracteristico da Segunda Guerra Mundial do que da Primeira Guerra Mundial. A burocracia bloqueadora também não é esquecida e surge presente em plena Guerra, quando o que está em causa se pode resumir fundamentalmente a uma questão de vida ou de morte. 


Há, porém, alturas em que o leitor se sente meio perdido na narrativa, já que Ledig salta do lado russo para o lado alemão de uma forma algo confusa, avançando de uma personagem para a outra sem que isso compreenda devidamente. De igual modo, parece que há personagens cujo desfecho de vida não se conhecerá... E que aparecem e desaparecem, como um relâmpago num dia de temporal, na história.


No geral, a obra é interessante, sendo um clássico da Literatura Contemporânea e da Literatura de Guerra alemã. Ainda que se trate de um romance, "Os Órgãos de Estaline" acaba por se constituir, devido à experiência do seu autor, num testemunho contra a ideia e a realidade da Guerra!


*
"E foi andando cada vez mais devagar. Valia a pena renegar o medo. Agora, que sabia o suficiente, já não precisava de correr para salvar a vida. Quer lhe fossem concedidos alguns anos ou um só dia... para que serviria isso?
Finalmente, chegou a bala. Não lhe fez doer. Somente uma ligeira pancada nas costas. O outeiro, o poste desfeito pelas explosões, o vermelho do céu mergulharam nas trevas. Ele caiu para dentro de uma cratera, com a cara voltada para a terra. Correu-lhe água para a boca. O seu último pensamento foi: É isto a justiça?" [Ledig, 2005, p. 152]

https://www.goodreads.com/review/show?id=1589261836

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