sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Honra Perdida de Katharina Blum, de Heinrich Böll


"A Honra Perdida de Katharina Blum" de Heinrich Böll
Abril/Controljornal, 2000
94 Páginas



"A Honra Perdida de Katharina Blum", existente também em filme, é uma obra que acima de tudo nos leva a reflectir por um lado, sobre o perigo de uma imprensa sensacionalista (que escreve tudo o que lhe apetece com o objectivo de aumentar as tiragens do jornal, "Zeitung") e, pelo outro, sobre a ambiguidade existente em torno da liberdade de imprensa (que deve ser livre para informar os seus leitores com o que entender, mas sem com isso deturpar e forjar a realidade). 

Katharina Blum acaba por ser um mero instrumento da imprensa e vítima de uma complexa teia de poderes, só porque se decide envolver numa festa de Carnaval com a pessoa errada, Ludwig Göette, um assaltante de bancos procurado pela polícia alemã. A partir daí a vida da inocente Blum desaba...

Böll opta por uma narrativa que parece ser uma mistura da reconstrução que a polícia faz do "crime" de Blum com um estilo mais jornalistico. Por outro lado, o leitor sente que, por vezes, é um espectador, de todo o desenrolar da história, a quem o narrador lhe vai oferecendo vários dados que lhe permitem tirar as suas próprias conclusões sobre um caso de acasos errados (fabricados), injustiça e jogos de poder.

Gostei, mas tendo em atenção tratar-se de um escritor alemão, Heinrich Böll, que foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1972, estava à espera de uma leitura mais densa e de uma história com um pouco mais de profundidade. É uma leitura leve, rápida, apesar das várias e diferentes personagens com quem nos cruzamos ao longo das suas 94 páginas.

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"Podes meter esses teus sentimentos no frigorífico, que é onde guardas todos os outros". [Böll, 2000, p.89]

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Meu Século, de Günter Grass


"O Meu Século" de Günter Grass
Casa das Letras, 2006
287 Páginas


"O Meu Século" de Günter Grass é daqueles livros díficeis de nos agarrar... E a mim, não me conseguiu agarrar. Não me conseguiu sequer prender. Li-o porque tinha de o ler!

Para além do tempo, os tais cem anos (o livro começa em 1900 e termina em 1999), e o espaço, entenda-se a Alemanha, não se percebe qual o fim condutor da obra. O narrador assume, por vezes. o papel de uma mulher, outras vezes, de um casal e parece-me (porque a escrita nem sempre é muito clara, o que não nos permite ter certezas de nada) também que o próprio autor se coloca nessa posição.


Por cada ano, o leitor é presenteado com duas a três páginas totalmente inesperadas. Nunca sabe se bem o que se irá encontrar a seguir. Há momentos em que Grass consegue dar uma ideia dos principais acontecimentos desse ano, mas há outros em que um conhecedor de História alemã (nomeadamente do século XX e XXI) se questiona o porquê de ele escrever sobre o tipo de pequeno almoço tomado e uma conversa totalmente banal que o narrador teve com a esposa, parecendo que se está diante do excerto de um diário. 


Há, contudo, partes que saliento porque me conseguiram chamar à atenção para caracteristicas do período histórico a que se referem, como uma transcrição de uma conversa com Remarque ou Jünger a respeito da Primeira Guerra, o cenário de lascas de tijolos por toda a parte em que a Alemanha se vê logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a descrição das lojas com montras a abarrotar quando a moeda da Alemanha Ocidental começa a ser o D-Mark, uma carta de reclamação à Volkswagen (porque o carocha não chega à RDA), o problema das florestas alemães que começam a sofrer os efeitos das chuvas ácidas nos anos oitenta e até a própria venda de armas alemãs ao regime de Saddam Hussein.... 


Face ao exposto, julgo que o mais proveitoso para aqueles que se decidirem a ler esta obra será lerem um ou dois textos por dia. Não adianta tentar ler este livro como um romance, nem tão pouco o leitor deverá temer não se lembrar do que Grass escreveu no texto do ano anterior àquele (texto) que se encontra a ler no presente momento. "O Meu Século" é, na verdade, um conjunto de textos de vários temas (sempre relacionados com a Alemanha, mas muito dispersos entre si) que se vão encaixando em cada ano, entre 1900 e 1999.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O Despertar do Mundo, de Rhidian Brook

"O Despertar do Mundo" de Rhidian Brook
Edições Asa, 2014
328 Páginas

Baseado na experiência do avô do autor, "O Despertar do Mundo" retrata a Alemanha saída da Segunda Guerra Mundial, em 1946, quando derrotada e dividida se encontra em ruínas, faminta e a carecer de uma complexa reconstrução da sua sociedade e das vidas individuais dos alemães.

A história passa-se no sector inglês (recorde-se que a Alemanha havia sido dividida em quatro sectores, cada qual ao cargo de uma das quatro potências vencedoras: EUA, Grã-Bretanha, França e URSS), entre uma família inglesa (a do coronel Lewis Morgan) que vai ocupar uma casa de uma família alemã (Lubert), sem a desalojar, o que não era muito comum, na cidade de Hamburg. 

Numa Alemanha a tentar recuperar a paz, cada um dos elementos de cada uma destas duas famílias está também a viver um conflito interno. Ambas sofreram e sofrem com a perda de familiares chegados por causa da Guerra, estando inconformadas com a realidade. No meio de tudo isto, há também lugar para uma paixão proibida e traição, motes para a libertação de algumas personagens e para o virar da página ao passado recente. Há igualmente a rebeldia e a solidão e a esperança que nasce inesperada dos escombros, dando um rumo surpreendente à história.

Gostei muito deste livro, bem escrito e articulado, e ainda mais por saber que se baseia em factos reais. O tema da Alemanha no pós Guerra é-me querido e o modo como este militar defende a importância da convivência com respeito entre vencedores e vencidos de uma Guerra parece-me particularmente feliz e inteligente (embora tudo tenha os seus prós e contras no que respeita à vida de cada um). Na minha opinião, esta trata-se de uma interessante lição de vida, sendo que o argumento desta história dava, sem dúvida nenhuma, um excelente filme! 

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"Raramente falamos das coisas que realmente importam. Andamos à volta delas em bicos de pés. Penso que é o espirito desta era. Uma ressaca dos vitorianos. Ou por causa de demasiadas guerras. Não sei. Se o futuro pudesse ser qualquer coisa, gostaria que fosse um futuro em que as pessoas pudessem falar daquilo que importa." [Rhidian Brook, 2014, p.244]

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O Fim de Semana, de Bernhard Schlink



"O Fim de Semana" de Bernhard Schlink
Edições Asa, 2010,
192 Páginas


A história que Bernhard Schlink nos traz passa-se como o próprio título indica num fim-de-semana: Sexta-feira, Sábado e Domingo, quando um grupo de amigos outrora revolucionários e cheios de ideais se decidem reencontrar para festejar a libertação de um deles (após vinte e três anos de prisão), em tempos membro da "Rote Armee Fraktion" (RAF), uma organização terrorista alemã de extrema-esquerda operante entre 1970 e 1998 na Alemanha ocidental. 

Agora, todos eles estão perfeitamente integrados na sociedade contra a qual lutaram, desempenhando papeis perfeitamente normais. Temos um advogado, um jornalista, um empresário, uma pastora, uma professora e uma médica, entre outras personagens que vão surgindo na história para esmiuçar o sentido da verdade e o alcance dos sonhos da juventude. 

O autor explora aqui a culpa e o peso da memória que se quer esquecer, algo que lhe é caracteristico de outras obras, que muito se encontra relacionado com os complexos da sociedade alemã saída da Segunda Guerra Mundial, e que é particularmente evidente na geração de que o autor (nascido em 1944) faz parte. 

Schlink não escreve uma história ao nível de "O Leitor", obra também existente em filme e de sucesso inigualável, mas leva-nos uma vez mais a pensar na psicologia do que é ser alemão e do que é confrontar o passado histórico da Alemanha (questão do Nazismo e da sua relação com o Holocausto) com a realidade do Terrorismo. E esse Terrorismo aqui é não só próprio de uma circunstância própria do país (com o aparecimento da RAF nos anos 70), como também se relaciona com o 11 de Setembro e as mudanças daí decorrentes. 

Gostei de "O Fim de Semana" e recomendo a sua leitura, considerando, no entanto, que a sinopse do livro deveria ser reescrita, de forma a tornar o livro mais apelativo para qualquer leitor (e não apenas para os mais curiosos e conhecedores da História da Alemanha). Por outro lado, entendo que algumas personagens mereciam que o autor lhes tivesse dado maior profundidade e solidez, o que teria facilitado a passagem da mensagem que Schlink quer fazer e a que já me referi. 

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"Perdemos o que éramos e o que queríamos ser e talvez até aquilo que estávamos destinados a ser. Em troca, encontrámos outras coisas. (...)" [Bernhard Schlink, 2010, p.132]


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A Praia Roubada, de Joanne Harris

"A Praia Roubada" de Joanne Harris

Edições Asa, 2002
398 Páginas
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Em "A Praia Roubada" somos levados até à ilha de Les Salants, onde a protagonista mais conhecida por Mado decide voltar (após a morte da sua mãe com quem vivia em Paris) e acaba por dar um novo rumo à sua vida (regressando ao contacto com o pai) e também à própria ilha onde nasceu e cresceu. O reencontro com a irmã Adrienne, algum tempo depois, e o conhecimento que trava com um irlandês, Flynn, acabarão por influenciar de forma significativa a história. 


Convém salientar igualmente a existência de uma interessante animosidade e rivalidade da ilha de Les Salants (a prejudicada) com a de La Houssinière (a privilegiada) e o estranho mistério da areia que desaparece sem motivo aparente, aspectos centrais numa história muito marítima e onde todas as sensações são, por isso mesmo, sinónimo de mar, água e sal, praia, areia, navegar, barcos, temporal e vento. 


Joanne Harris mantém-se fiel ao estilo que já habituou os seus leitores e não os desilude. Misteriosa e rebelde e complexa que baste, a sua escrita e a história que criou conseguem cativar o leitor desde o início até ao fim, sem que se sinta um esforço exagerado. Aliás, este parece ser um dos seus talentos, que se manifesta de forma tão natural como o tipo de sensações que desperta!