sexta-feira, 31 de março de 2017

Os Buddenbrook, de Thomas Mann

"Os Buddenbrook" de Thomas Mann
Publicações Dom Quixote, 2011 
638 Páginas


Esta foi a minha segunda experiência com Thomas Mann, mas a primeira sob o ponto de vista ficcional. A história conquistou-me aos poucos, devagar, de forma incisiva. A partir das quatrocentas e tal páginas ansiei por chegar ao fim, sobretudo porque começava de algum modo a antever a queda/decadência da familia a aproximar-se. A verdade, porém, é que quando cheguei ao fim, senti-me como que órfã e desamparada... Os Buddenbrook já faziam (e fazem) parte de mim. E devo dizer que gostei muito. 

Não se lê rapidamente, lê-se demorada e pensadamente, sendo que reflectiremos sobre a obra durante e após a sua leitura. Uma das razões para isto acontecer relaciona-se como facto dos temas abordados, ainda que relativos ao século XIX, se manterem actuais. 

Refiro-me à questão da disputa de uma herança entre irmãos feita de forma mesquinha e destruidora, o desbaratamento ao fim de duas/três gerações de um negócio de familia importante e de peso, com impacto na vida política de então. Digno de nota é igualmente o papel da mulher neste período que, para mim, é um dos aspectos mais interessantes na obra. A sociedade aqui retratada é patriarcal até à exaustão.

A mulher devia casar-se antes dos trinta anos (para não ficar solteirona - termo que sempre me enojou e, sim, quero mesmo dizer enojar - e a viver com os pais e, mais tarde, após a morte destes, com os irmãos, tornando-se uma presença quase indesejada) e fazê-lo com um homem que a sustente, permitindo-lhe "aumentar" a sua posição social, bem como "juntar" riquezas entre empresas-familias. Recorde-se que neste período a mulher tinha um dote, algo mais comum entre as camadas mais ricas da sociedade, o "preço" que a familia desta pagava para o/pelo noivo se casar com ela e que a colocava a mulher numa posição de vulnerabilidade e fragilidade. Ademais, a mulher era vista como "uma criança" até ao casamento e, findo o mesmo (apenas sob condições muito especificas), caía numa espécie de decadência e infortúnio... Hoje incompreensiveis para mim. Porque a mulher tem o direito e a capacidade de ser tão independente quanto o homem. O que é que o homem tem a mais que a mulher?! São seres humanos, ambos!

Por outro lado, outra das razões que justificam o interesse pela obra prendem-se com o retrato que nos é oferecido, por um alemão, sobre a Alemanha (que não é o país que hoje conhecemos; era um conjunto de vários Estados diferentes e independentes entre si) do século XIX, sobre a revolução de 1848 (conhecida como a Primavera dos povos), de Lübeck (uma cidade pertencente à Liga Hanseática. 

Do ponto de vista da escrita de Thomas Mann o estilo é soberbo. Talvez não seja o tipo de leitura indicada para quem prefere algo mais leve ou para quem não goste mesmo de ler a sério. Para quem tem na leitura uma verdadeira paixão e gosta de literatura a sério, este é um clássico digno desse mesmo nome (e não é maçudo, acreditem). As descrições dos espaços, das personagens, ... é tão bem feita que o leitor quase que se sente a observar o desenrolar da história "em directo". 

Além disso, esta foi, tanto quanto pude apurar, a obra que valeu a Thomas Mann a atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1929. E quando se termina a sua leitura percebe-se bem porquê...! Gostei e muito.


https://www.goodreads.com/review/show/1940406105

terça-feira, 21 de março de 2017

O Labirinto dos Espíritos, de Carlos Ruiz Zafón

"O Labirinto dos Espíritos" de Carlos Ruiz Zafón
Planeta, 2016
845 Páginas


Zafón termina em grande esta tetralogia (ou quadrilogia, se preferirem) de "O Cemitério dos Livros Esquecidos" com o livro "O Labirinto dos Espíritos", de 800 e tal páginas que se conseguem ler de forma fluída e sem aborrecimentos. O autor vai alternando o ângulo de visão com que a narrativa prossegue, focando-se nas várias personagens da história (umas mais do que as outras, naturalmente). E tem uma escrita pensada, sem pressas nem bocejos, destinada a proporcionar excelentes momentos ao leitor.

Com efeito, este volume está cheio de acção do início ao fim. E, ao contrário dos anteriores, pareceu-me, por vezes, que lia um policial. A arte da escrita e a ambição de ser reconhecido por a possuir (um talento) é apenas o ponto de partida para uma série de crimes e mortes, relacionados com algumas das personagens que conhecemos dos volumes anteriores (em particular Isabella e David Martin), verificados e resolvidos neste quarto livro. 

Várias são também as novas personagens que aqui aparecem, bem como as suas histórias de vida (vitimas da guerra, ligadas ao mundo da banca, (ex-?)alcóolicos, ...), sendo que destaco, por exemplo, Alicia Gris, que me ficará para sempre na memória pela sua garra, pela sua força e pela sua persistência perante a adversidade. A prova viva de que a nossa mente pode mover montanhas num corpo dolorido e conseguir o impossível!

Daniel Sempere fica, finalmente, a conhecer a toda história da origem da sua vida e é essa mesma história que nos é contada, mais tarde, por uma outra personagem com ele relacionada e de um jeito particularmente interessante. O mesmo sucede com a sua mãe Isabella, cujo passado ficamos a conhecer melhor de forma magistral, o que nos permite juntar todas as peças do puzzle.

Que posso dizer mais? Gostei imenso. Valeu a pena estas semanas que dediquei a esta tetralogia de Zafón. Foram muito bons momentos. Na maioria das vezes, o meu maior problema com esta colecção foi conseguir parar e ser obrigada a fazê-lo porque o dever me chamava...! 

https://www.goodreads.com/review/show/1940403543

segunda-feira, 13 de março de 2017

O Prisioneiro do Céu, de Carlos Ruiz Zafón



"O Prisioneiro do Céu" de Carlos Ruiz Zafón
Planeta, 2016
377 Páginas


Daniel Sempere e o seu amigo Fermín regressam à história num livro que, por isso mesmo, mistura elementos de "A Sombra do Vento" com o "O Jogo do Anjo", sendo que no caso deste último refiro-me em particular à personagem de David Martin. Como gostei de os rever!

Quase todo o livro é um regresso ao passado, desconhecido e um tanto ao quanto escuro, de Fermín. É uma recuperação da sua história, da sua relação com as outras personagens da colecção de "O Cemitério dos Livros Esquecidos" e até curiosos aspectos da ligação/amizade de Fermín com Daniel Sempere. 

A mãe de Daniel, Isabella, volta, sem que estejamos à espera, a ser uma figura relevante na história, sendo que o seu desfecho, apesar de aparentemente fechado, se percebe ainda desconhecido e por descobrir. 

Comparativamente aos dois outros livros estamos na presença de uma narrativa mais simples e ligeiramente menos elaborada, com menos frases dignas de nota (que eu tenha notado) porque o autor simplesmente não as utiliza tanto aqui. 

Zafón está mesmo é focado na história de Fermín e não quer distrair o seu leitor. É, contudo, de notar que estes três livros podem ser livros por outra ordem, como é referido no início do presente volume. 

Sem querer ser tendenciosa, e do que sei até ao momento, sinto que a leitura deverá começar por "A Sombra do Vento" ou por "O Jogo do Anjo", sendo que "A Sombra do Vento" consegue cativar o leitor e nele entranhar-se de forma positivamente mais intensa do que "O Jogo do Anjo". 

Agora, o próximo passo é ler "O Labirinto dos Espiritos" e ver como termina esta odisseia toda. E eu já comecei a ler!

https://www.goodreads.com/review/show/1937367643

sexta-feira, 10 de março de 2017

O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Zafón




"O Jogo do Anjo" de Carlos Ruiz Zafón
Planeta, 2016 
577 Páginas

Estou enfeitiçada pela escrita, pelo estilo da escrita de Zafón...

"O Jogo do Anjo" é perturbador. Às vezes, negro, escuro, madrasto. E admito que, ao contrário de "A Sombra do Vento", os dois últimos capítulos de "O Jogo do Anjo" conseguiram levar-me às lágrimas. Isso não aconteceu nenhuma vez com o primeiro livro. 

De facto, este segundo livro conseguiu deixar-me mais vulnerável, talvez até pelo tema. Aqui a história centra-se num escritor (David Martin) que quase enlouquece, que se torna vítima do seu talento para a escrita e da sua dedicação cega à mesma, que se vende e, num certo sentido, abdica da sua vida para escrever, como escritor fantasma, um livro com determinados contornos. 

De alguma forma, revi-me em David Martin. Porque também eu tenho abdicado de muitas coisas para me concentrar na escrita (da minha Tese de Doutoramento) e questiono-me, com alguma frequência, acerca do alcance e do sentido presente e futuro dessa opção na minha vida. E atenção que eu adoro o que estou fazer, mas, por vezes, também sinto o cansaço, os vários cansaços a pesar-me... Por outro lado, quando olho igualmente para a minha Tese, e apesar do carácter de objectividade que um trabalho desta natureza implica, sei que uma boa parte de mim está ali guardada, está ali presente. Daí o facto deste livro me ter causado uma sensação ligeiramente diferente do primeiro!

À parte disso, continuei a gostar de Zafón. Muito! Nesta história recuamos no tempo em que Daniel Sampere ainda não era nascido e conhecemos a sua mãe Isabella e o seu avó, para além de pelo menos outra personagem que, tanto quanto já percebi, voltará a aparecer... Refiro-me a David Martin. Zafón adopta igualmente um estilo neste livro que me faz lembrar Joanne Harris, uma das minhas escritoras favoritas. 

Entretanto, já comecei o livro seguinte desta colecção: "O Prisioneiro do Céu". Veremos o que aí vem, mas Daniel Sampere e o seu amigo Fermin estão de volta, o que só pode ser um óptimo sinal...!

https://www.goodreads.com/review/show/1930335603

sexta-feira, 3 de março de 2017

A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón




"A Sombra do Vento" de Carlos Ruiz Zafón
Planeta, 2016
555 Páginas

Um livro dentro de outro livro, uma história dentro de outra história. Personagens que dão vida a outras... Mistério, muito mistério. A paixão por livros, verdadeira e autêntica que nos leva a ser, por vezes, um pouco loucos. O Amor e o Ódio a caminhar muito próximos. A amizade e a lealdade, genuinas e sem preço. A obstinada teimosia. E tudo tem uma razão de ser, um sentido, como convém não esquecer e é sempre bom lembrar!

Adorei este livro. Não tenho nada a apontar. Gostei da escrita. Tem tiradas brilhantes, comuns porque se referem a situações do dia-a-dia e nesse sentido são óbvias quando lidas, mas a verdade é que ninguém pára habitualmente para pensar nessas mesmas coisas daquela forma. É viciante, dando vontade de querer conhecer tudo, saber o que se passa, o que se passou e o que se passará e perceber em que sentido se desenrola e desenrolará a acção, mas, ao mesmo tempo, dá vontade de saboreá-lo lenta e vagarosamente, sem pressa de chegar demasiado rápido ao fim. 

Várias foram as vezes que dei por mim com sono a querer fechar os olhos, porque a morrer de cansaço e a não querer descansar, porque queria ler mais e mais e não me apetecia parar. Também várias foram as vezes que me custou largar a leitura, e pousar o livro, porque o dever me chamava. Fiquei presa a "A Sombra do Vento" sem me dar conta disso. Terminei de o ler ontem à noite e, preparando-me para ler "O Jogo do Anjo" que se segue, já me questionei o que será feito de Daniel Sampere? Vai voltar em alguns dos livros que seguem a colecção? E o seu fiel amigo Fermín também? Palavra que gostei imenso daqueles dois e da curiosa e estreita relação de amizade que se desenvolveu entre ambos. E o modo como Daniel sente os livros? É maravilhoso. 

"A Sombra do Vento" fez-me aquilo que nem todos os livros me conseguem provocar... Conseguiu fazer-me desligar do aqui e do agora totalmente. Deixe de ser a Marisa. E durante o tempo que li senti-me muitas vezes, Daniel Sampere, Beatriz, Penélope, Fermín, Julian Caráx, ... Viajei até Barcelona do pós Segunda Guerra Mundial e fui livre. Sonhei com outras vidas. Vivi outras vidas. Adorei.

E vou já começar "O Jogo do Anjo" daqui a pouco...!

https://www.goodreads.com/review/show/1912479458