sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Um Percurso Político, de Thomas Mann



"Um Percurso Político. Da Primeira Guerra Mundial ao Exílio Americano" de Thomas Mann
Bertrand Editora, 2016
205 Páginas



"Um Percurso Político. Da Primeira Guerra Mundial ao Exílio Americano" trata-se de uma selecção de textos políticos de Thomas Mann, cuja organização foi apoiada pelo Goethe-Institut e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Alemão. 

A obra compõe-se de cinco textos, ensaios: "Pensamentos em tempo de Guerra" (1914), "Pensamentos a Propósito da Guerra" (1915), "Da República Alemã" (1922), "Alocução Alemã. Um Apelo à Razão" (1930), "O Meu Irmão Hitler" (1933) e "A Alemanha e os Alemães" (1945), através dos quais Thomas Mann dá o seu testemunho sobre o que entende ser o carácter alemão, a germanidade, as razões do apoio alemão a Adolf Hitler (que ele crítica de toda a forma e feitio, abominando-o sem rondeios e dando origem a uma das partes mais espantosas de "Um Percurso Político"), sem esquecer, claro, o modo como encara a Primeira Grande Guerra e o Tratado de Versailles e a Segunda Grande Guerra.

Com efeito, este livro permite-nos pensar a partir da pena do alemão, Prémio Nobel da Literatura de 1929, aspectos marcantes da História europeia e, sobretudo, alemã, o que é bastante enriquecedor porque é algo que nos falta com frequência... Conhecer como é que os alemães se pensam a si próprios e pensam o mundo!

*
"E é por isso que o afirmo: a melhor, a verdadeira segurança da França é a saúde de alma do povo alemão. O mundo vê bem como a crise geral política e económica afectou esta saúde que, para a Alemanha, se agravou perigosamente com condições de paz insensatas. (...)" [pp. 135 e 136]

https://www.goodreads.com/review/show/1792031358

Amor Entre Guerras, de Sofia Ferros


"Amor Entre Guerras" de Sofia Ferros
Casa das Letras, 2014
335 Páginas



Baseado numa história verídica, a dos bisavós da autora, "Amor Entre Guerras" passa-se na Primeira Guerra Mundial e ainda abrange o período pós Guerra e início da Segunda Guerra Mundial. A narrativa centra-se no jovem médico Miguel, que parte para França para integrar o Corpo Expedicionário Português (CEP), sendo aí que conhece a sua futura esposa, uma francesa defensora da liberdade e dos principios do Comunismo. Desde o momento em que se encontram, pelas circunstâncias da guerra, as suas vidas transformar-se-ão, mas é também a maneira de ser de Alexandrine e as consequências sofridas por um acidente, em Lisboa, que irão ditar o rumo da vida do casal em Lourenço Marques. 

Com efeito, "Amor Entre Guerras" foi uma surpresa para mim, do mesmo modo que o foi o excelente trabalho de pesquisa e redacção desta obra realizado por Sofia Ferros. Tanto quanto pude perceber, esta é a sua primeira obra e que primeira obra...! Irrepreensível. Não há momentos mortos, nem enfadonhos. Às vezes, muitas vezes para ser sincera, é dificil parar de ler porque a leitura é demasiado empolgante para fazer pausas. O modo como a obra termina deixa no ar a possibilidade de uma continuação, que aguardarei com atenção e expectativa. Porque, acreditem, a história promete!

Desde a forma viva como Alexandrine defende a liberdade e a emancipação das mulheres, o modo como se compreende a própria evolução escondida e algo recatada do Comunismo, as referências à cientista Marie Curie, ao modo mal preparado e equipado com que o CEP foi para a Guerra, o próprio clima de repressão e instabilidade vivido em Portugal, assim como o estilo de vida dos portugueses em Moçambique... Tudo torna a história interessante e bem construída em todos os sentidos. 

Além da obra nos permitir evadir, leva-nos igualmente a conhecer um pouco melhor alguns aspectos deste período histórico e a pensar de que modo é que eles poderão ter influenciado e condicionado as vidas das pessoas. Por outro lado, é fácil colocarmo-nos na posição das personagens e num ou noutro momento compreender o porquê de terem tomado esta ou aquela opção. 

Por tudo isto, só posso dizer que gostei muito de "Amor Entre Guerras"!


https://www.goodreads.com/review/show/1791070917


domingo, 23 de outubro de 2016

Uma Espia na Casa do Amor, de Anaïs Nin

"Uma Espia na Casa do Amor" de Anaïs Nin
Vega, 2012
132 Páginas

"Uma Espia na Casa do Amor" deixou-me indecisa entre as 2 e as 3 estrelas... A verdade é que quando me questiono se gostei do livro não consigo dizer que não gostei, mas também não consigo dizer que gostei. 

A meu ver a obra tem um argumento com tudo para dar um livro interessante, no mínimo "agitante": uma mulher que apesar de viver com um homem que a ama decide ausentar-se, de vez em quando, alegando razões profissionais, mas tudo o que faz nesses períodos é experimentar o amor de outros homens, sem qualquer espécie de relação de qualquer tipo... 

No entanto, o interesse do argumento perde-se na sua concretização. A autora tem tiradas inteligentes, dotadas de grande profundidade e reflexão (que admirei bastante e tomei nota porque são dignas de leituras e releituras), mas ao mesmo tempo a forma como começa o livro é confusa, deixando o leitor cheio de dúvidas, e a forma como também apresenta os encontros ocasionais, se volta a referir aos sentimentos de Sabina e  ao modo como o marido a trata é feita atabalhoada, caótica e desorganizadamente. Nem sempre é fácil compreender que se passou de uma coisa à outra e, às vezes, essa transição é abrupta. Por outro lado, a obra não dispõe de capítulos, o que faz com que o leitor tenha de andar à procura do “tempo certo” para fazer uma pausa e isso acaba por cansar um pouco e constituir motivo de algum stress …!

No essencial, a obra concentra-se no desejo de liberdade e independência da personagem principal, que parece não querer amar ninguém, e que sendo infiel, por "necessidade", não sabe como lidar com a culpa (?) e a eventual e hipotética possibilidade de descoberta dessa vida paralela pelo marido. Ainda que a escrita de Anaïs Nin se foque no estado de alma de Sabina, com pouca ou nenhuma relevância dos cenários e a quase ausência de descrições, e seja nessa perspectiva riquissima, a verdade é que no geral o meu maior desejo foi sempre conseguir terminar o livro o mais rapidamente possível... Como se não conseguisse aguentar aquela leitura por mais tempo do que o apenas necessário! 

E é isto.
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"Como ela aprendera a fazer desaparecer cartas de amor pelo lavabo, a não deixar cabelos no pente emprestado, a reunir os ganchos do cabelo, a apagar vestígios de baton em toda a parte, a sacudir nuvens de pó de arroz. 
Os seus olhos eram como os olhos de uma espia. 
Os seus hábitos eram como os hábitos de uma espia. Como ela punha todas as suas roupas numa cadeira, como se pudesse ser chamada de repente e não devesse deixar quaisquer vestígios da sua presença. (...)"[p. 58]

https://www.goodreads.com/review/show/1791070601

sábado, 22 de outubro de 2016

A Lagoa Azul, de Henry DeVere Stacpoole

"A Lagoa Azul" de Henry DeVere Stacpoole
Babel, 2010
330 Páginas


"A Lagoa Azul" foi uma feliz surpresa, pois apesar de conhecer a história porque já vi um sem número de vezes o filme com o mesmo nome (trailer oficial aqui: https://www.youtube.com/watch?v=XfNgPljZCmM ), o livro conseguiu trazer-me novidade. Há partes, importantes e podendo fazer a diferença no desenrolar da história, que o filme não mostra e o livro conta de forma magistral. 

As descrições são soberbas, quase cinematográficas. De tal modo que, durante os dias que estive a ler "A Lagoa Azul" também eu me senti como se estivesse na ilha e a viver numa cabana longe da civilização. Henry de Vere Stacpoole escreve com uma sensibilidade tal que é fácil sentirmo-nos parte da história, ainda que o seu papel seja apenas o de observador. Por outro lado, o autor tem algumas "saídas" bastante brilhantes, sobretudo porque, em 1908 (quando em Inglaterra as mulheres são começam a ter direito ao voto depois da Primeira Guerra Mundial), e a título de exemplo, escreve que "O desprezo pelas mulheres é a primeira lei da selvajaria e talvez a última lei de uma qualquer filosofia velha e profunda" (p.290). Gostei de ler isto. Principalmente porque foi escrito por um homem e foi escrito em 1908... Extraordinário!

Ademais, "A Lagoa Azul" está longe de ser apenas uma história sobre duas crianças que vão dar a uma ilha no Pacífico, crescem e se amam. É mais do que isso. É uma viagem. Uma reflexão sobre o que é a liberdade (se é viver em vida selvagem, se é viver em civilização). E, por isso, adorei ler este livro, um verdadeiro bálsamo, e devo sublinhar que já me arrependi várias vezes de, quando no Outono de 2010 comprei este livro, me ter questionado (e voltado a questionar) se tinha tomado a opção certa em comprar um livro, cuja história já conhecia de trás para a frente... Que tamanho disparate! Já o devia ter lido antes...! Ler um livro nunca há de ser o mesmo que ver um filme! Este livro é muito bonito e ainda é melhor porque nos leva a sonhar... Com um mundo diferente do nosso, puro e inocente... Utópico, na verdade. Porém, se não sonharmos com a utopia como poderemos melhorar o que temos?

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"Para esquecer a passagem do tempo, é necessário viver ao ar livre, num clima quente, com o mínimo possível de roupa sobre o corpo. É necessário caçar, pescar, colher e cozinhar o nosso alimento. E então, passado algum tempo, se não tivermos quaisquer laços a ligar-nos à civilização, a Natureza começará a fazer-nos a nós o que faz ao selvagem. E então, reconheceremos que é possível ser feliz sem livros e jornais, cartas ou contas. Reconheceremos então o papel que o sono desempenha na Natureza." (p. 127)

https://www.goodreads.com/review/show/1788487096?book_show_action=false&from_review_page=1

terça-feira, 18 de outubro de 2016

É a Guerra, de Aquilino Ribeiro

"É a Guerra" de Aquilino Ribeiro
Bertrand Editora, 2014
230 Páginas



"É a Guerra" trata-se de um diário escrito por Aquilino Ribeiro, que na época vivia em França já casado com uma alemã (Grete Tiedemann), durante os meses de Agosto e Setembro de 1914, iniciada a Primeira Guerra Mundial. 

Assumindo-se como germanófilo, o autor português observa com olhar crítico não só o comportamento da França em relação à Guerra, como também o modo como os franceses fomentam o ódio contra os alemães e até a forma como as outras nações se comportam umas relativamente às outras. Esta é uma guerra em que os nacionalismos se incendeiam, se confrontam e se ferem sem qualquer cuidado. A ordem e a felicidade está na destruição, no aniquilamento sem mais demoras, como Aquilino faz questão de sublinhar diversas vezes ao longo da obra. 

Interessante também é a leitura que o autor faz da participação portuguesa, do corpo diplomático português em França (e no geral) e dos governantes portugueses, permitindo que compreendamos um dos porquês de ter emigrado e também que conheçamos melhor o seu modo de pensar o mundo, a política e as suas relações. 

Em relação à escrita, a sua leitura não é simples, até porque é caracteristica de Aquilino Ribeiro recorrer com frequência ao uso de regionalismos, sobretudo da Beira Alta, sendo que nesta obra, para além destes, encontramos várias vezes pequenas partes escritas em francês. O seu estilo é irónico, crítico, sarcástico. A língua portuguesa surge, assim, mais trabalhada do que o habitual na maior parte das obras, mas sem exageros. A meu ver é um livro para quem gosta de ler na nossa língua.

Este é o terceiro livro que leio do autor e que mais uma vez gosto. O facto de se tratar de um diário, à semelhança de "Alemanha Ensanguentada", enriquece ainda mais a sua leitura. Trata-se de um testemunho vivo, histórico do início da Primeira Guerra em França, e vale a pena!
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"Se o homem já era ruim com o semelhante, refinou para tigre, dado que tal bicho ocupe o lugar de honra na escada da ferocidade. Como proclama Clausewitz, a guerra apenas reconhece um meio: a violência. Tudo o que puder empreender de mais fero, de mais inumano, de mais devastador, é recomendável e legítimo. O seu ideal de perfeição reside na hetacombe generalizada. Numa palavra, quanto mais e melhor mata e destrói, mais e melhor está integrada na sua ética. Limitá-la, condicioná-la, é empresa de poetas, quando não de impostores, comparável à de amarrar com cordéis a tempestade na atmosfera. "
[p.144] 
https://www.goodreads.com/review/show/1708584240

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Viagem a Itália, de Johann Wolfgang Goethe


"Viagem a Itália. 1786-1788" de Johann Wolfgang Goethe
Bertrand Editora, 2016
453 Páginas


"Viagem a Itália. 1786-1788" trata-se de uma obra que engloba cartas e diários, enviados por Johann Wolfgang von Goethe aos seus amigos, durante a viagem que este fez a Itália, partindo de Karlsbad e regressando no final a Weimar. No final consta igualmente um apêndice escrito pelo autor sobre o Carnaval Romano. 


Com efeito, Goethe partiu, na época, de forma escondida, dando um nome ficticio, já que se por um lado gostava de ser conhecido pelo sucesso da sua obra "Die Leiden des jungen Werthers" [Os sofrimentos do jovem Werther] de 1774, por outro gostava de manter um certo anonimato. 


Até porque o autor realiza esta viagem não só com o propósito de conhecer directamente as obras de arte do Renascimento e da Antiguidade (Goethe quer conhecer Roma, de que muito ouvira falar através do pai), como também com o objectivo de estudar a paisagem, as plantas, os minerais e o clima do Sul, tão diferentes do Norte (algo característico deste período, em que se começam a realizar viagens para conhecimento do espaço e a geografia como ciência começa a dar os primeiros passos com nomes como Alexander von Humboldt, de quem Goethe era amigo), e ainda fazer uma viagem ao interior de si mesmo, reconstruindo-se. 


No que respeita à escrita, a obra é densa e se vão para a ler depressa, desistam. Não é dificil, mas requer algum tempo e sobretudo atenção e dedicação. Abundam nela as descrições, ao mesmo tempo que várias reflexões de Goethe sobre si próprio. E, portanto, "Viagem a Itália. 1786-1788" é, de igual modo, uma obra importante para conhecer um pouco melhor o pensamento do autor, que dá o nome ao Instituto de língua e cultura alemã no mundo. 


Gostei muito e Goethe está definitivamente na minha lista de preferências de autores alemães!

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"Uma coisa é certa: seria melhor não regressar, se não fosse para regressar renascido." (p.244)

https://www.goodreads.com/review/show/1766125681

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A Modista, de Rosalie Ham



"A Modista" de Rosalie Ham
Editorial Presença, 2015
269 Páginas

Regressada à pequena cidade no interior da Austrália, onde terá nascido e crescido, Tilly Dunnage vem de alguma forma revolucionar a vida dos seus habitantes com a sua máquina de costurar, quando decide tratar da sua mãe doente, Molly. Os modelos dos seus vestidos, de inspiração parisiense, vêm dar um novo espírito às mulheres daquela cidade e às suas relações. Aqui a ideia não é tanto a mulher que faz o vestido, mas o vestido que faz a mulher, o que, a meu ver, é um ponto de partida interessante. 

Achei, contudo, que a história passada de Tilly podia ter sido mais explorada, bem como a da mãe. Muitas questões me ficaram sobre os motivos que levaram os habitantes da cidade a odiarem e a ostracizarem estas duas mulheres. Do que percebi, gostei da história e conseguiu tocar-me, sobretudo porque, tal como Tilly, também já senti que há momentos da nossa vida em que parece que só conseguimos destruir e estragar aquilo (e aqueles) de que mais gostamos, sem perceber muito bem porquê, (quase ?) como se uma força negativa nos estivesse a manipular a seu bel prazer.
O modo como o livro termina... Também me deixou a pensar! 

Para aqueles que, como eu, gostam de saber se existe algum filme sobre este livro: existe, sim. E podem ver o trailer oficial aqui: https://www.youtube.com/watch?v=hhjwsPBuAq4
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"Nada é bom ou mau, a não ser por força do pensamento - declamou Tilly." (p. 163)

https://www.goodreads.com/review/show/1765748591?book_show_action=false&from_review_page=1