segunda-feira, 28 de março de 2016

Bilhar às Nove e Meia, de Heinrich Böll

"Bilhar às Nove e Meia" de Heinrich Böll
Ulisseia, 2011
303 Páginas


Da leitura de "Bilhar às Nove e Meia", publicada pela primeira vez em 1959 e transformada no filme "Nicht versöhnt oder Es hilft nur Gewalt, wo Gewalt herrscht" (https://www.youtube.com/watch?v=CvC-J... ) em 1965, fiquei com uma sensação estranha de confusão e, num certo sentido, de incompreensão. Embora, a obra pertença a um autor que ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1972, Heinrich Böll, e a temática seja complexa na medida certa para ser interessante, a verdade é que, ao contrário de "A Honra Perdida de Katharina Blum" tive dificuldade em encontrar o norte da história muito bem escrita, mas de estrutura "torcida"... 

A obra é constituida pelas perspectivas e relatos dos vários membros da família Faehmel, que inclui três gerações de arquitectos (uns constroem antes do Nacional-Socialismo estar no poder, outros destroem, já com o Nacional-Socialismo no poder, aquilo que os outros construiram), reportando-se ao período compreendido entre o início do século XIX e o ano de 1958 do século XX. Toda a narrativa decorre durante um único dia, em 1958, e passa-se fundamentalmente na cidade alemã de Köln, onde Robert, a personagem principal, se dedica ao jogo do bilhar numa base diária e sempre às nove e meia (na ânsia de construir uma rotina) - daí o título da obra -. 


A temática da história relaciona-se com o conflito existente na sociedade alemã do pós Segunda Guerra Mundial entre aqueles que se mantêm como livres pensadores/pacifistas e aqueles que se subjugaram ao Nacional-Socialismo e ao Totalitarismo/belicistas. É aqui que se centra a crítica do autor, nascido em Köln, capital cultural da Alemanha e cidade totalmente destruida pela Guerra em bens materiais e em vidas humanas. 


*
"Nessa altura, vivíamos todos no atelier do avô, porque a nossa casa estava inabitável, e na parede do atelier estava um enorme mapa da cidade pendurado; tudo o que havia sido destruído estava riscado com um grosso giz preto, e, muitas vezes, (...) ouvíamos o pai e o avô outros homens a conversar em frente ao mapa. Havia muitas vezes discussão, porque o pai dizia sempre: «Fora com isso - dinamitar.» - e desenhava um X junto a uma mancha negra e os outros diziam: «Por amor de Deus, não podemos fazer isso!» (...)" [Böll, 2011,pp.219-220]

https://www.goodreads.com/review/show/1590312825?book_show_action=false

quinta-feira, 24 de março de 2016

Hoje é melhor do que para sempre, de S.D.Gold

"Hoje é melhor do que para sempre" de S.D.Gold
Ideia-Fixa, 2014
222 Páginas


"Hoje é melhor do que para sempre" centra-se na ideia de que uma relação que se vive e se pensa unicamente no aqui e no agora, sem medos e sem barreiras, é mais realista, intensa e talvez mais total do que uma relação que se vive sob o peso de um "foram felizes para sempre" (que não existe na realidade, até porque nada é para sempre... Nem mesmo a vida humana!). E, neste sentido, mais simples, despudorada e livre. 


Não se tratando de uma ideia nova, sobretudo nos tempos em que vivemos, a história do livro traduz um apelo aos sentidos, uma fuga à prisão que o simples, mas complexo acto de pensar pode oferecer. Sê feliz enquanto e até onde der bem que podia ser uma máxima deste livro, sem esquecer o "Pensar incomoda como andar à chuva" de Alberto Caeiro. Ainda que se corra o risco de se cair em lugares comuns, a urgência com que a vida deve ser vivida leva-nos a revisitar, por vezes, "estes ensinamentos".

Tratando-se ao que parece do primeiro livro desta autora portuguesa cujo verdadeiro nome esconde atrás deste pseudónimo S.D.Gold, "Hoje é melhor do que para sempre" revela num ou noutro momentos um conhecimento cultural e social requintado e viajado por parte de quem o escreveu. O livro está bem escrito e, no geral, não corre o risco de se tornar vulgar (exceptuando uns dois casos), mantendo o seu registo de exemplar de literatura erótica. Existem, todavia, algumas gralhas no texto que deverão ser corrigidas numa próxima edição. 

No essencial, "Hoje é melhor do que para sempre" tem de ser lido sem preconceitos, tal como a ideia que a história defende. Não vale a pena esperar encontrar aqui uma história profundamente elaborada, mas sim um escape, algumas horas de total abstracção (e desligar da corrente) da azáfama dos dias modernos e em que não se pensa em absolutamente nada...

https://www.goodreads.com/review/show/1589264260?book_show_action=false

Os Órgãos de Estaline, de Gert Ledig

"Os Órgãos de Estaline" de Gert Ledig
Ulisseia, 2005
168 Páginas


"Os Órgãos de Estaline" corresponde a um romance do autor alemão, Gert Ledig, sobre o cerco de Leninegrado, ocorrido entre Setembro de 1941 e Janeiro de 1944 (ao longo de 900 dias) durante a Segunda Guerra Mundial. Ledig participou neste cerco, tendo sido ferido em 1942, e é com base nesta sua experiência que decidiu escrever a presente obra. Ainda relativamente a Leninegrado importa referir que o cerco se enquadrou no âmbito da Operação alemã Barbarossa, destinada à invasão da União Soviética, onde se encontrava para Adolf Hitler o perigo bolchevique e, também, a questão por resolver dos judeus. Leninegrado, outrora denominada de São Petersburgo (até 1924, quando teve o seu nome alterado pelo regime bolchevique), fora uma sede de "esplendor imperial", capital do Império Russo, simbolo da vitalidade política, administrativa e cultural russa, bem como sendo o centro militar mais importante, característica que conservava aquando da Segunda Guerra Mundial. Era em Leninegrado que se encontravam as maiores fábricas de armamento e também o suporte da importante Frota do Báltico. Por outro lado, esta era igualmente um centro de revolução política e o berço do bolchevismo, sendo um alvo essencial para Hitler.


Apesar das suas 168 páginas, a leitura de "Os Órgãos de Estaline" é densa, como densas são as descrições do que se passa no campo de batalha, do que pensam e sentem aqueles homens que matam outros homens e perdem camaradas que tinham tudo para ter uma vida longa pela frente senão estivessem mandados pela cegueira política e ideológica. Ledig tem momentos que lembra a obra do também alemão Ernest Jünger, intitulada "Der Kampf als inneres Erlebnis"["A Guerra como Experiência Interior"], por escrever e descrever de forma tão realista e vivida a Guerra, mas também pela referência frequente que faz às trincheiras; depois fala dos tanques, as "panelas de aço sujas" (Ledig, 2005, p.52), tipicos da "Blitzkrieg" alemã e sublinha o fanatismo cego e mesquinho com que os alemães tentam avançar, bem mais caracteristico da Segunda Guerra Mundial do que da Primeira Guerra Mundial. A burocracia bloqueadora também não é esquecida e surge presente em plena Guerra, quando o que está em causa se pode resumir fundamentalmente a uma questão de vida ou de morte. 


Há, porém, alturas em que o leitor se sente meio perdido na narrativa, já que Ledig salta do lado russo para o lado alemão de uma forma algo confusa, avançando de uma personagem para a outra sem que isso compreenda devidamente. De igual modo, parece que há personagens cujo desfecho de vida não se conhecerá... E que aparecem e desaparecem, como um relâmpago num dia de temporal, na história.


No geral, a obra é interessante, sendo um clássico da Literatura Contemporânea e da Literatura de Guerra alemã. Ainda que se trate de um romance, "Os Órgãos de Estaline" acaba por se constituir, devido à experiência do seu autor, num testemunho contra a ideia e a realidade da Guerra!


*
"E foi andando cada vez mais devagar. Valia a pena renegar o medo. Agora, que sabia o suficiente, já não precisava de correr para salvar a vida. Quer lhe fossem concedidos alguns anos ou um só dia... para que serviria isso?
Finalmente, chegou a bala. Não lhe fez doer. Somente uma ligeira pancada nas costas. O outeiro, o poste desfeito pelas explosões, o vermelho do céu mergulharam nas trevas. Ele caiu para dentro de uma cratera, com a cara voltada para a terra. Correu-lhe água para a boca. O seu último pensamento foi: É isto a justiça?" [Ledig, 2005, p. 152]

https://www.goodreads.com/review/show?id=1589261836

terça-feira, 22 de março de 2016

Diário. O Diário de uma Jovem Judia em Paris sob a Ocupação Nazi, de Hélène Berr


"Diário. O Diário de uma Jovem Judia em Paris sob a Ocupação Nazi" de Hélène Berr
Publicações Dom Quixote, 2008
244 Páginas


Escrito por uma jovem francesa judia de vinte e poucos anos, esta obra encontra-se dividida em três anos: 1942, 1943 e 1944. Pelo meio, podemos encontrar várias fotografias de Hélène Berr, a autora deste diário que ambicionava vir a ser professora na Sorbonne onde havia estudado Literatura Inglesa (o que se acaba por reflectir na própria forma - por vezes, um tanto ao quanto, requintada - como o texto está escrito), bem como algumas notas de Mariette Job (responsável pela publicação), alguns dados sobre a família abastada de Hélène (talvez por isso mesmo apenas seria presa em 1944) e uma lista das leituras que fez e mencionou ao longo das várias entradas deste seu diário. 

"Diário. O Diário de uma Jovem Judia em Paris sob a Ocupação Nazi" sugere no primeiro ano, o de 1942, uma leitura algo irregular. A dada altura as entradas são telegráficas, denunciando, muito provavelmente, o dificil e complexo estado de alma que vive na altura. A leitura torna-se mais interessante e, no meu entender, mais complexa quando chegamos aos anos de 1943 e 1944. No ano de 1944, e cada vez mais próxima da prisão que suspeitava vir a acontecer, Hélène demonstra uma força incrivel através das suas palavras. Vivendo em Aubergenville, no Norte de França e não muito longe de Paris, quer Hélène quer a sua familia tiveram a possibilidade de fugir, mas não quiseram fazê-lo e ousaram permanecer corajosamente (com todas as implicações que isso poderia ter) no seu país até ao fim...

Comparativamente aos outros diários que tenho lido sobre o tema do Holocausto, este distingue-se por ter sido escrito por uma jovem adulta, com formação superior, e de nacionalidade francesa, possibilitando uma maior compreensão do modo como a França viveu a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, como lidou com a questão dos judeus, enviando-os primeiramente e com o apoio das próprias autoridades francesas para um campo de internamento localizado em Drancy (próximo de Paris) e, posteriormente, para Auschwitz. Recomendo, pois trata-se de uma visão diferente. Não é a mesma coisa ler o Holocausto e a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial pelos olhos de uma criança e pelos olhos de uma adulta! Por outro lado, afigura-se igualmente importante compreender os aspectos convergentes e divergentes consoante a nacionalidade (polaca, checa, francesa, ...) de quem os escreveu, de forma a conseguir ter uma visão tão ampla e profunda quanto possível do que se passou neste complexo período da História.


*

"«O que quer, minha senhora? Cumpro o meu dever!»
Que se tenha chegado a conceber o dever como uma coisa independente da consciência, independente da justiça, da bondade, da caridade, eis a prova da inanidade da nossa pretensa civilização. 
Os alemães, esses, há uma geração que se trabalha no seu reembrutecimento (é um retorno periódico). Neles toda a inteligência está morta. Mas podia esperar-se que, entre nós, isso fosse diferente. (...)" [Berr, 2008, p.176]

https://www.goodreads.com/review/show?id=1580185589

segunda-feira, 21 de março de 2016

Lição de Tango, de Sveva Casati Modignani



"Lição de Tango" de Sveva Casati Modignani
Edições Asa, 2009
448 Páginas

Dos quatro livros (nos quais este se inclui), que já li de Sveva Casati Modignani, este é sem dúvida o melhor. O mais bonito. O mais intenso. E, no meu entender, o mais completo. Desde à forma como está escrito e estruturado até à própria história em si mesma. Ou histórias porque aquilo a que o leitor assiste é ao cruzamento de duas histórias diferentes: a de Matilde, uma idosa que vive sozinha e que não aceita abandonar o sotão onde vive, e a de Giovanna, uma mulher na casa dos quarenta anos, antiquária, casada e mãe de uma filha adolescente. 

Aparentemente sem nada em comum, estas duas vidas partilham na verdade um ponto muito importante entre si, a perda de uma mãe e o abuso sexual na infância, capaz de originar dois modos diferentes de encarar a vida, o amor e a relação entre um homem e uma mulher depois disso. E é o encontro de Matilde com Giovanna que vai fazer esta última redescobrir-se, metamorfosear-se e olhar para o sentido da vida com outros olhos, sobretudo depois de conhecer a belíssima história de vida de Matilde. No meio, percebe-se o porquê do título da obra ser "Lição de Tango" e ainda se conhece uma imagem da Itália pobre, da Itália sob Benito Mussolini e sob a Segunda Guerra Mundial, e da Itália da Máfia. 

Este é daqueles livros que se devora rapidamente, isto é, as páginas passam-se com a pressa de conhecer todos os contornos da história da vida passada de Matilde e da vida passada e presente de Giovanna, mas não e nunca porque a história seja desinteressante. E chega-se ao fim a pensar: e agora? Não há mais? Como assim?! Recomendo, portanto, vivamente!

*
"- O Tango é violência- afirmou ele. - Um homem e uma mulher procuram-se aflitivamente e, assim que se encontram, fogem um do outro. Voltam a juntar-se e deixam-se de novo. É a dança de um amor sem fim." [Modignani, 2009, p. 359]

https://www.goodreads.com/review/show?id=1580179963

terça-feira, 15 de março de 2016

Na Montanha de Hitler, de Irmgard A. Hunt

"Na Montanha de Hitler" de Irmgard A. Hunt
Editorial Bizâncio, 2014
319 Páginas

Em "Na Montanha de Hitler" é contada a infância e adolescência de Irmgard, uma alemã ariana, passada em Berchtesgaden (situada nos Alpes Bávaros) perto do retiro de Hitler. A autora escreve igualmente sobre as origens da sua família materna e paterna, referindo-se igualmente às dificuldades que os seus pais e respectivas familias passaram durante a Primeira Guerra Mundial, de forma a que o leitor compreenda toda a evolução e contexto da Alemanha aquando da chegada de Adolf Hitler ao poder. É, contudo, sobretudo durante o período em que Hitler se encontra no poder e já sobre a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial que a obra mais incide. 


Perdas, desconhecimento, sofrimento em silêncio, fanatismo, obediência cega, culpa e desejo de recomeçar são abordados com mestria pela autora, que aqui se limita a escrever sobre o que viveu e o que sentiu na realidade. Irmgard viveu a infância e o inicio de adolescência numa paisagem perfeita, mas ensombrada pelo Nacional-Socialismo e, depois, também pela guerra que só numa fase final atinge a sua cidade.


Não tendo sido escrita na época, a obra está cheia de fotografias daqueles tempos, sobre os quais a autora escreve e descreve com todo o detalhe recorrendo às suas memórias, mas também às memórias de vários familiares que consigo viveram. "Na Montanha de Hitler" prima acima de tudo por retratar os primeiros anos de vida de uma alemã (não judia), perfeitamente comum, vividos mesmo ao lado de Hitler e da elite Nacional-Socialista. E leva-nos a pensar em como o sentimento de culpa pode ser, por vezes, profundamente injusto... Porque houve vitimas em ambas as partes: alemães e não alemães; arianos e judeus.

https://www.goodreads.com/review/show?id=1559985164

sexta-feira, 11 de março de 2016

A Lição de Alemão, de Siegfried Lenz

"A Lição de Alemão" de Siegfried Lenz
Publicações Dom Quixote, 1991
371 Páginas

A história passa-se junto ao Mar, perto do Mar do Norte, na Alemanha durante o III Reich e já depois do fim deste. E gira em torno de um polícia que faz tudo para fazer cumprir o seu dever, mesmo quando tal deixa de ser necessário, e impedir o pintor Max Ludwig Nasen de pintar por ser considerado pelo regime como um pintor degenerado (do estilo Expressionista). É o filho do polícia, Siggi Jepsen, quem nos conta tudo (na redacção que tem de fazer para a escola em que se encontra) e recrimina a atitude do pai, tentando ajudar a proteger as obras do pintor e, consequentemente, sofrendo as consequências disso mesmo porque mal interpretado! Há quem defenda que, ainda que indirectamente, a figura do pintor Nasen pode querer sugerir a de Emil Nolde, um artista igualmente perseguido pelos nazis...

Com efeito, "A Lição de Alemão" trata-se de um romance longo, apesar das suas 371 páginas, e o seu tempo é lento. O tamanho da letra é pequeno e o espaçamento também, o que chega a cansar. A história passa devagar, devagarinho, com calma. Sigfried Lenz deixa-nos saborear bem as suas palavras, brindando-nos com inúmeras e detalhadas descrições que fazem o leitor sentir-se como se estivesse em cena. E escreve bem, muito bem. Diria, contudo, que a história se esgota no seu argumento (importante, porque foi o cumprimento cego do dever que levou a Alemanha à destruição com o Nacional-Socialismo) e, nesse sentido, este podia ser perfeitamente um livro menos longo e mais vivo!


Por fim, será de referir que a obra de Lenz se encontra esgotada, sendo que caso a editora pense em voltar a editar este livro seria interessante se fizesse um espaçamento e utilizasse um tipo de letra maiores, de forma a tornar a leitura da obra mais agradável. 

*

"O teu pai, Siggi, como polícia, tinha que zelar por uma proibição de pintar, em serviço. E quando acabou o tempo de pintar, dizes tu, ele continuou a vigiar o pintor. Eu: Por fim ele tinha uma tara - assim como têm uma tara todos aqueles que não querem fazer nada a não ser o dever." [Lenz, 1991, p.357]

https://www.goodreads.com/review/show?id=1559978294

segunda-feira, 7 de março de 2016

O Diário de Helga, de Helga Weiss



"O Diário de Helga" de Helga Weiss
Bertrand Editora, 2013
215 Páginas

"O Diário de Helga" corresponde a uma obra surgida a partir dos caderninhos que Helga Weiss utilizou para descrever os seus dias durante a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, o que sofreu na pele sendo judia na sequência da ocupação da Checoslováquia pelo III Reich alemão em 1939. 

A obra encontra-se dividida em três partes: uma sobre a vida de Helga quando ainda vivia em Praga com o pai que trabalhava num banco e a mãe modista; uma relativa ao período em que esteve em Terezín, uma cidade também localizada na Checoslováquia; e uma em que se refere à sua passagem por Auschwitz, Freiberg e Mauthausen, onde passa o período mais negro da sua existência enquanto judia perseguida e com a ameaça sempre em mente da morte nas câmaras de gás. 

Tratando-se de um relato verídico, o diário de Helga começa quando esta tem ainda cerca de 9 anos e terminará já quando esta está com cerca de 16 anos em 1945, a tão desejada e dificil paz chega finalmente e ela consegue regressar com vida à sua cidade natal, Praga. Algumas páginas estão salpicadas de desenhos (uns a preto e branco e outros a cores) que Helga fez durante o tempo em que esteve presa nestes campos, mas sobretudo em Terezín, onde apesar de tudo ainda conseguiu (graças ao pai) ter melhores condições. Helga relatou aquilo por que passou pela escrita e pelos desenhos sempre muito esclarecedores sobre a realidade que experimentava. 

Enfim, um testemunho vivido cuja leitura recomendo vivamente porque continua a ser importante conhecer a História e, acima de tudo, tendo a possibilidade de o fazer a partir de uma experiência real sobre um período tão negro da História da Humanidade, que importa não esquecer para que não se repita...


Para quem tiver curiosidade em conhecer a autora, poderá assistir a uma entrevista dela aqui:

*
https://www.goodreads.com/review/show?id=1568675796

quinta-feira, 3 de março de 2016

A Peregrinação do Rapaz Sem Cor, de Haruki Murakami

"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" de Haruki Murakami
Casa das Letras, 2014
362 Páginas


"A Peregrinação do Rapaz Sem Cor" relata a viagem que Tsukuru Tazaki, com 36 anos, faz de regresso às suas amizades de adolescência e, sobretudo, ao modo como estas terminaram. Algo que sempre o perturbou e que em certo sentido lhe aprisionou a existência.


Introvertido e solitário, Tsukuru conseguiu fazer da paixão que tinha, por se sentar nas estações de comboios e ficar a vê-los passar, a sua profissão, tendo-se tornado num engenheiro especialista na projecção e remodelação de estações.


A história que Murakami nos traz desta vez é, em boa medida, kafkiana. Sentem-se ecos de Kafka volta e meia, sem que se note um esforço excessivo da parte do autor nesse sentido. É algo natural e é-o de tal forma que o leitor se conhecer "A Metamorfose" de Kafka experimentará uma sensação interessante de familiaridade, mas com contornos diferentes. Aqui temos mais cor, mais cores, e mais vida. E assistimos a uma metamorfose da personagem de Tsukuru, cujo objectivo será levá-lo a libertar-se de um passado que deixou de compreender e com reflexos no presente e a entender melhor o mundo que o rodeia. 


Recomendo a obra não só aos fãs de Kafka e aos de Murakami, como também a todos aqueles que não são fãs de Kafka, ou ainda àqueles que nunca leram nem Kafka nem o próprio Murakami. É uma leitura que vale a pena!

*
"As pessoas aproximavam-se dele, mas depois, no fim, acabavam sempre por partir. Vinham ter com ele à procura de alguma coisa e, ou porque se mostravam incapazes de encontrar o que pretendiam, ou por ficarem desencantadas com o que encontravam, davam-se por vencidas e desapareciam. Um dia, subitamente, volatilizavam-se. Sem uma palavra de despedida, sem grandes explicações. Como se um machado afiado cortasse de um só golpe os vínculos que os uniam, pelos quais ainda continuava a correr o sangue quente que fazia palpitar as veias. " [Murakami, 2014, p. 125]